Herberto Helder, uma furibunda concepção

"Poema não saindo do poder da loucura.
Poema como base inconcreta de criação.
Ah, pensar com delicadeza,
imaginar com ferocidade.
Porque eu sou uma vida com furibunda
melancolia,
com furibunda concepção. Com
alguma ironia furibunda."
Herberto Helder, In «Ou o Poema Contínuo», Assírio & Alvim, 2001
O mistério da vida, um percurso entre o que irremediavelmente tem que acontecer e o que não acontece nunca.

Maledicência

A maledicência é um efeito típico de um medo interiorizado, mais inconsciente do que consciente, que acaba por definir o carácter dos portugueses. O genoma português é constituído por este "medo do poder", que está de tal forma inscrito que perdura por gerações na sua forma mais degenerativa, mutiladora e contagiosa. O medo motiva, portanto, os insultos políticos, a crítica acrítica, o popularismo de primeira e os arremessos pobres de conteúdo. Estas intervenções, aparentemente capazes de um vitupério que aleije, de nada servem, senão de fingimento de acção. Podemos até ser capazes de criar uma lista de queixas de uma imensa qualidade imaginativa e ultrajante, mas que de nada nos servem se são ineficazes. As palavras bradadas não contróiem obras, não movem revoluções, não fazem nada senão dar uma ideia de acção, que efectivamente não acontece. Reparem que este "medo do poder" nunca será inexistente. Mas a nossa inconsciência conveniente dele permite que se imponham regras de comportamento e que se delimitem interditos. O que constitui um limite severo à liberdade de expressão, ao pensamento e às acções livres! Parece que nesta sociedade não dispomos de alternativas de vida à forma vigente. E este é um efeito devastador que abre espaço para o exercício de poder de pequenos déspotas e de grandes burgessos.