Nepotismo, benesses e tachos

Há por aqui muita gente que, um quanto ou quanto à boleia da crise, em vez de serem cidadãos, têm sido os principais aliados do medo. E é este medo, por consequência, o principal aliado do Governo. Conjuntura esta, que por definição e contexto, deveria naturalmente repartir as dificuldades; promover uma educação de alta exigência ética face aos sacrifícios que estão a ser exigidos à maioria da população; auto-propulsionar-se ao crescimento e à competitividade com, exactamente a mesma prodigiosa imaginação com que inventa impostos e os destrói, sem remorsos; acusar os corruptos, os hipócritas com o drama que a mesma situação exige. O progresso humano, incluindo o desenvolvimento económico, não se justifica apenas como um mero produto de melhores índices de acesso dos séniores ao ensino, maiores audiências de telenovelas ou, e ainda, no mesmo plano, de maiores índices de pensantes baratos que reflectem sobre o bem-estar económico de cada um, sobre o facto de o homem distinguir o bem do mal - e que doçura que é pensar! Reparem que isto é só parcialmente verdadeiro, o homem prova a sua inferioridade moral quando efectivamente pratica actos tão animalescos como as outras criaturas, que ao contrário de nós, não possuem superioridade intelectual. Portanto, esta ideia do "nem tudo é tão mau quanto parece" é ridícula e contraproducente. "A esperteza, a duplicidade, a ficção, os artifícios, a política e os actos mundanos são o nosso próprio inferno". Ataca os fracos, favorece os amigos e eis os representantes deste país a apelar à sensatez, com o bombardeamento de discursos mais depressivos de que há memória. Discurso este que não é normal nem natural, mas sim cínico e um ultraje à dignidade das pessoas, porque não é um discurso de verdade que se sublinha, mas sim um subtil ataque, que obedece a uma estratégia conveniente de nepotismo, benesses e tachos.
Entendo o egoísmo, porque da mesma forma que é humano amar o dinheiro, é naturalmente humano viver ao serviço dos nossos próprios interesses. E esta é a verdade absoluta e vigente. Entendo também a tristeza, o medo, e até mesmo o desejo de suicídio. Não só porque o sentimos, como também porque já nos habituámos a senti-lo, e pior, a querer efectivamente sentir os valores que inspiram este mesmo estado. Agora, não entendo a amargura, o azedume, a avidez. Nem a antipatia, nem a inveja, nem a vaidade. Se somos tão egoístas como sei que somos, expliquem-me esta necessidade de papas e de fraldas?! O meu espanto é diante destas criaturas amargas. São vidas pequeninas que eu não compreendo - a profunda solidão das pessoas.
Porquê não termos, já que somos egoístas, o nosso próprio tom, o nosso modo, uma forma que não devesse nada a ninguém, e em que as vozes alheias não entrassem na nossa?
As primeiras gotas, indiferentes, ingénuas, podem trazer uma tempestade enorme. O sorriso mais desenfreado e mais ridículo pode causar paixões avassaladoras. O dia mais normal e mais rotineiro de todos pode culminar com algo espectacularmente diferente. Mas, o mais importante, é conseguir unir várias pessoas por um só objectivo, por uma só justiça, por um só fio de esperança. Olhamos uma estrela cadente, mas nem sempre pensamos no que ela nos pode dar...