Preliminares de 2013


Que  não se pode fazer tudo de uma assentada? Sim, talvez não se possa, mas por favor, que se faça alguma coisa!

Verifico todos os dias da minha vida, mais um grupo de pessoas, que se sente vergada pelo seu governo, e que projectam o seu futuro longe de horizontes portugueses. Cada um com a sua história, mas todos com o mesmo traço comum: a falta de trabalho - e reparem, que não uso o termo emprego, porque esse já é impensável - e a falta de perspectivas de realização pessoal e colectiva.

A emigração é a mais autêntica lição deste "desgoverno" de que padecemos. É resultado, do bloqueio de um caminho, que todos os dias retira dignidade aos portugueses; é expressão do colapso da economia ; da destruição dos direitos laborais elementares; da degradação de uma democracia e de um espírito pátrio olvido.

O mais assombroso desta realidade, é que se entende, que o empobrecimento do país, não é um mero mal efémero para fazer face a uma crise. A todos os níveis e todos os dias, vai-se instalando em Portugal, um modelo de vida civilizacional! E o que experenciamos agora, são meros preliminares de uma tendência profunda de um modelo social baseado no assalto do espólio dos portugueses, daquilo que eles têm, mas acima de tudo, daquilo que são!

Não tenhamos dúvidas, para 2013, devemos (MESMO) desejar não adoecer acima das nossas possibilidades;  não estar condenados a nenhuma condição social; e desejar ter garantias de que possamos crescer e envelhecer condignamente.

Contudo, também acredito que por isto, e para além disto, necessitamos de uma forma distinta de entender o mundo. Tomar o respeito pelo outro como parte da nossa própria consciência! Que seja esta a nossa insurreição à actual conjuntura! Talvez assim se pudesse mudar algo! Portanto, em 2013, desejo que amem. Mais do que nunca: amem! Amem as pessoas! Amem a vida!

"Amor como em casa"

Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo. Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro. Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no
amor como em casa.

Do Pina, "Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde"

"Essa é a grandeza do ser humano!"

Guernica, Picasso
As consciências sopram onde querem. E há consciências que graças a Deus, não se confinam a capelinhas, beatices e politiquices em geral. Pessoas que sabem que a sua obra fala por si. Pessoas com bom senso. E é o bom senso que deve imperar. Em tempos de ultra-inter-supra necessidade de obras, de concretizações, de factos, o dizer-por-que-quero-dizer tem menos valor que o silêncio. Na vida, não podemos viver de intencionalidades inócuas. Não nos iludemos com as palavras. Já sabemos que as contaminamos com os tiques do nosso egoísmo. Agora, as obras... criam coisas, efectivam mudanças, contrariam o status quo, negam e transformam. Aquilo que é vigente tende sempre a enraizar-se, a padecer de uma espécie de autoridade. Mas reparem, na vida, quando nos referimos ao que está, nada existe absolutamente, a menos que o desejemos assim. A fatalidade da imobilidade será a nossa própria fatalidade - absorvidos pelo que não queremos e pelo que não consideramos certo, viveremos num tremendo inferno. Providenciem-se de coragem, de bom-senso, de respeito por vocês mesmos, por aquilo que são! E ajam!  Roam-se de escrúpulos por cada vez em que não agiram! Por cada vez em que não agiram de forma rigorosa e apaixonadamente! Honestamente, muitas vezes, o "medo que temiam" pode cumprir-se. E sem dúvida, muitas vezes o que realizaram será aquém. O esforço e a exaustão inexorável irá parecer-vos, também maioritariamente, em vão. E daí? Se tens essa inquietação, se ela permanece em ti, é porque flui de uma força decorrente de evidência daquilo que deve ser tornado real. Nunca se esqueçam: estão vivos! E que essa certeza seja a força  para continuar, num labor que é humano, e por isso, imperfeito! O interesse real da vida está em pensar no mais justo e em agir em conformidade, independentemente das prospectivas ínfimas de relevância e notoriedade que terá. É fazê-lo porque é o que tem que ser feito! Porque como dizia o António Manuel Pina: "Essa é a grandeza do ser humano!". A grande dignidade da vida, reside na plena consciência que fizemos por nos cumprirmos. Essa paz não é dada. Conquista-se!
A poesia vai acabar - Manuel António Pina (1943-2012)

A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?» E a pergunta 
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
— Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? —


Do Livro - "Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde" (1974)
Vivemos num mundo de pouca luz, com pouca lucidez, com um tremendo enfraquecimento da noção de futuro e com uma lógica que parece banir a esperança para o domínio da piada. Reparemos no contexto em que Portugal se encontra. Perante tempos difíceis surge-nos o ministro das finanças a exaltar o esplêndido povo português, culmina ainda, a sua distinção dizendo que: somos o melhor povo do mundo. Ora se somos o melhor povo do mundo, somo-lo do ponto de vista económico e no domínio humano. Faz, portanto todo o sentido, um sistema de motivação de emigração, para que o que é nacional (que é bom, aliás o melhor!), seja transaccionável. Não admira que desta forma, Portugal não tenha qualquer futuro. Portugal são os portugueses! Como se pode ser incoerente a este ponto? Como se pode usar esta demagogia ultrajante com os portugueses? Quando constato a realidade em que vivemos, é perceptível o elevado expoente de homens consumidos pelo egocentrismo e pela política de despreocupação. Agora, quando vejo os que "nos governam", alegarem poesias patrióticas e, simultaneamente, apelarem à "nossa" exportação, o que sinto é um tremendo medo do futuro. Um tremendo medo do que o nosso país se pode tornar. É triste enquanto homens, sentirmos que não podemos crescer no nosso lar. Sentir que todo o nosso desenvolvimento humano e social terá que ser noutra pátria. E não posso imaginar maior tristeza, que a privação de nos fazermos homens portugueses em Portugal. Porque não passa só por deixar o país, acarreta um todo retrocesso civilizacional e familiar. Longe da família. Longe de podermos partilhar a nossa vida com os nossos. Que retrato será o de Portugal? O de um país entregue a um governo que num horizonte longínquo sabe que somos o melhor povo do mundo, mas que permite que a identidade deste se dilua? Escrevo com inteira franqueza e desprazer com o actual governo, para mostrar que estou indignada, e que não quero ser o melhor povo, quero ser o melhor país, porque ele existirá! O carácter medíocre do actual governo é repudiante, e a cada dia que passa, cada vez mais se desresponsabilizam da sua tarefa de salvar a Nação. Não atentam às dificuldades do seu povo. Não surgem como um quadro de referência na aplicação da justiça. Não reconhecem os direitos e a dignidade intrínseca de cada português. Gostava seriamente de ver, um governo com escrúpulos, capaz de demonstrar trabalho e obras, capaz de se desgastar sem poupar energias, tempo e meios para recompor o País. Capaz de dizer não a tudo o que possa conduzir a uma família a não ter pão. Capaz de dizer não a tudo o que possa conduzir Portugal, a um país sem futuro.

Oremos

"Os idiotas, de modo geral, não fazem um mal por aí além, mas, se detêm poder e chegam a ser felizes em demasia podem tornar-se perigosos. É que um idiota, ainda por cima feliz, ainda por cima com o poder, é, quase sempre, um perigo. 
Oremos. 
Oremos para que o idiota só muito raramente se sinta feliz. Também, coitado, há-de ter, volta e meia, que sentir-se qualquer coisa."

Alexandre O'Neill, in "Uma Coisa em Forma de Assim"

Semis, infras e subs homens

A linha ténue que separa os velhos dos novos, os ultrapassados dos que persistem, é a mesma linha ténue que separa os animais do homem: a liberdade. Há quem decida livremente reduzir-se como escravos ao seu baixo ventre, às suas zonas venéreas e a outras animalidades, que decidem construir a felicidade com base em apetites fáceis e fugazes, não compreendendo que castram assim a sua verdadeira felicidade, os seus verdadeiros sonhos, não compreendendo que o desafio de serem humanos, é serem muito mais que homens, é elevarem-se, é deixarem revelar no seu coração o melhor do seu ser, ou seja, o verdadeiro ser. Porque o melhor dos homens reside no coração de cada um. E ainda há outros que decidem livremente compadecer-se às incertezas, às dores de pensar e de viver e à resignação dos males do mundo... Tudo por uma vivência constantemente movida pelo medo... E além disso e por causa disso, somos livres, ao ponto de sermos nada. Ao ponto de perdermos tempo e de nos deixarmos morrer, em vez de viver. Não podemos suportar este tipo de existência... Porque acredito que o maior arrependimento (quando ele chegar) dos que envelhecem e dos que se deixam ser ultrapassados é o de terem lutado todo o seu tempo contra a humanidade, e de agora olharem para si a lutar pelo que resta dela.

Só se vive para a frente, realizando, revestindo o nosso coração da mais bela matéria prima: o amor. Sem grandes intelectualizações e sem sequer pequenos medos. Os sonhos e o futuro soarão sempre como palavras misteriosas, serão sempre enigmas incompreensíveis, mas é neles que se vive, e é neles, que dentro e fora de nós, todos os dias acontece algo de surpreendente, se nos propusermos a realizar. 
Andando para diante. O homem deve prostrar-se e erguer-se até morrer. 

Que democracia?

Faço-vos, aqui uma declaração: não gosto desta democracia - daquilo em que os políticos a deixaram transformar; tomada de assalto por gente sem escrúpulos e com falta de formação humana e civilizacional e por tipos com ambições desmedidas e sem qualquer preocupação pelo outro.  Posso ignorar muitos decretos, muitos elementos constitucionais. Mas não ignoro a "tomada de poder" que se está a demarcar. Não vivemos uma democracia que honra a sua República, o seu país e a sua gente. Há muitos "democratas" que o são pela sua defesa e que aderiram à política pela lógica de poderem servir-se a si. Estamos todos envolvidos neste ilusionismo. Uma democracia que foi tomada por gente de transacções comissionadas, por gente ameaçadora, manhosa e perigosa.
E pior, é que vejo trincheiras, fileiras, multidões à pinha fascinadas com isso: com o poder. Prontos a trocar uma coluna vertebral por um lamborghini na garagem. E sobretudo: a trocarem o que são por uma sensação ridícula e humana de nos sentirmos superiores aos outros. Na actual sociedade democrática é convencional a despreocupação, a má-educação, o egotismo, a ganância. E é difícil ir contra aquilo, em que determinada altura, é moda. E mais do que isso, uma espécie de lei da sobrevivência. 
É uma árdua luta, a de ir contra a desregulação da ética, a desregulação que elevou a desvalorização da vida, da família, do esforço honesto e da esperança que envolve. Mas quando penso nisto, gosto também de pensar que em lugares recônditos, fétidos, doentios, depressivos, há quem faça obras assinaláveis pelos outros, sem nada em troca. Há quem conjugue à procura da verdade, o amor interpretado correctamente. Eis algo que é raro.
"Ecce Homo", de Antonio Ciseri. Pilatos mostra Jesus ao povo de Jerusalém

O todo como um só

Acontece que se instalou na nossa sociedade uma cultura de desresponsabilização, em que a figura de um homem íntegro, justo, leal e bondoso deixa de ser ambicionada pelos homens. Tudo, porque consideramos que num mundo em que a maioria é mobilizada pelo mal, pela incompetência e pela inconsciência não vale a pena a minoria, desgastar-se com actos que demonstrem uma versão melhorada de si. Resultado disto: a precariedade existente, e não falo, somente, dos políticos ou de jornalistas, falo de cada um de nós, e dos laços que estabelecemos. O que se vive, é uma terrível precariedade relacional. E parece que é assim que esperamos que o mundo bata no fundo, entre o júbilo de magnatas prepotentes e o alerta de uma ou outra figura solitária e isolada. Incrivelmente, quase todos concordamos que a solução reside no facto de esta figura solitária se transformar no mundo inteiro. No entanto, tememos que enquanto não houver uma comunhão, uma capacidade de relacionamento e de estabelecimento de laços, a minoria seja somente um motivo de risada, após tantos sacrifícios. Tememo-lo, e não compreendemos que a possibilidade de extinguir esse medo, é nossa.  E é evidente a facilidade com que nos consumimos pelo egocentrismo e por esta política de desresponsabilização pelos nossos actos e pelos outros.  Mas acredito piamente, que uma pessoa com actos nobres pode em seu redor despertar uma explosão de nobreza que conduzam outros a fazer o mesmo. Acredito, que uma pessoa alegre e que faz por contribuir para a felicidade dos outros, mobiliza uma explosão de amor em todos com quem contacta, dando coragem e motivação a quem não a tem. Acredito, que cada um de nós, pessoas vulgares, podemos dentro das nossas parcas possibilidades acender uma pequena luz na escuridão. Acredito, que é assim que uma pessoa só, se torna de todos. E que o todo, se torna uma pessoa só.  Sem medos, sem hesitações, porque nos apoiamos uns nos outros. A realidade em que vivemos não é apaziguadora. Não é fácil. Mas não é fugindo dela que somos mais felizes. Aliás, ignorá-la é condenarmo-nos a um mundo injusto, porque não fizemos justiça à nossa condição humana; é tornarmos a merda actual inevitável, e é, acima de tudo, sentenciarmos a existência de cada um de nós a uma mera sobrevivência triste e insignificante, porque nos esquecemos que o essencial da vida é o amor. São as vidas. E não as coisas.
"2012 vai marcar um ponto de viragem" Vítor Gaspar
"2013 será o ano da inversão da actividade económica e da recuperação" Passos Coelho

Não sei de facto o que é pior: se a política contraditória que tem vindo a ser exercida internamente; se a cultura de mentir a um país perante o descontentamento do povo a que serve, alargando metas.
No quadro do crescimento da zona euro, Portugal é no segundo trimestre do ano, o país com uma maior aceleração no decréscimo do valor do PIB, isto significa, para quem possa estar distraído, que demasiada austeridade mata o doente, sobretudo, quando é aplicada em períodos de grandes convulsões económicas. Significa estatisticamente que "Somos o segundo país da UE com maior contracção económica, com uma queda de 1.2% face ao trimestre anterior (o que representa uma aceleração brutal no segundo trimestre, que apenas tinha caído 0.1% face ao último de 2011) e uma contracção homóloga do PIB de 3.3%, a pior desde 2009." Significa, sim que tudo corre a contento, que 2012 vai, de facto, marcar um ponto de viragem. Um ponto de viragem que sobre o jugo de contracções económicas tão acentuadas, resultará em falências de milhares de empresas, em despedimentos generalizados, em famílias sem rendimentos e em desespero de quem não sabe o que o futuro trará. Que pior sentimento que este? O nosso país, a nossa pátria, o nosso lar, o berço da nossa segurança e conforto, extrapolado por um Governo constituído por biltres, corruptos e filhos da puta. As famílias, os rostos, as pessoas, transformam-se em dados da dívida pública, em números de recessão, em défice financeiro, em percentagens, que eram esperadas. Então se o eram, também seria previsível a miséria avassaladora e a precariedade dos direitos. Não há maior hipocrisia do que a fingir surpresa face a valores de desemprego tão elevados e considerar a descida do PIB normal, "Tudo dentro do que estava previsto". Uma crise económica como esta é provocada pelas políticas austeras. Não são meros indicadores, são centenas de milhares de portugueses!
Faltam 100 e qualquer coisa dias, para o ano acabar, e o motor de economia está gripado, tudo continua em quebra acentuada, e a nova meta do Passos Coelho: "2013 será o ano da inversão da actividade económica e da recuperação" é quase tão surpreendente como os números do desemprego. Isto é uma pilhéria, uma pilhéria!!! Ou para os mais sisudos: A pobreza liberta, não sabiam?!
"Vê que aqueles que devem à pobreza amor divino e ao povo caridade,
Amam somente mandos e riqueza, simulando justiça e integridade".
Camões e as suas prolepses.


Movimentamos esforços para sermos melhores: tentamos ser mais humildes, tentamos abandonarmo-nos da nossa arrogância, ter mais actos de caridade, e de ter uma maior liberdade interior. E muitas vezes adormecemos sempre com a certeza de que todos os esforços se parecem reduzir ao nada. Nada parece ser eficaz. Tudo parece ser, simplesmente, destruído com o passar da vida: a relação íntima que nos deixa desconcertados, a amiga que precisa de desabafar, uma crítica familiar, uma humilhação, impasses, ânsias, o inseguro, o desconhecido,... E qual a nossa resposta à vida? Não somos nós participantes nela? Não é isto precisamente a resposta de Deus aos nossos esforços? Tudo o que nos acontece, é uma oportunidade de crescimento, maturação e liberdade. Não existem estratégias de automelhoramento. O maior segredo da conversão é o amor. O cairmos do alto das nossas seguranças, do nosso estatuto, da nossa respeitabilidade, da imagem que criamos de nós mesmos, das nossas defesas para amar, e... deixarmo-nos amar! O ser melhor exige um abandono total. E é entregando-nos aos outros, que acabamos por nos mudar a nós próprios. E não basta achar mal as nossas falhas, não basta com a razão reconhecer que está mal e decidir mudar. É preciso revoltarmo-nos contra nós mesmos ao ponto de chorar. Não como quem chora lágrimas de remorso e orgulho ferido. Mas como quem chora lágrimas todas elas de amor, de uma pena enorme de ter cometido determinado erro, de ter perdido algo que era sagrado na sua vida, de não ter conseguido ser bom, nem melhor.

O que somos é resultado não só das perdas e dos ganhos passados, como dos sonhos e expectativas futuras. O presente resulta da tensão imente entre o que foi e o que há-de ser, entre o encontro de memórias de coisas passadas e a esperança na concretização de sonhos futuros.
Um homem não pode mudar o seu passado. Toda a nossa identidade é alicerçada sobre memórias, tal como sobre as possibilidades vindouras. 
É importante, avaliarmos o nosso percurso, não como uma mera constatação de factos, mas sim compreendendo a importância que lhes é atribuída. É necessário compreender até que ponto o nosso percurso até então, corresponde aos nossos desejos, expectativas e sonhos.
Os factos do passado são inalteráveis, mas toda a predisposição interna, todo o equilíbrio e harmonia perante estes pode ser trabalhada. O futuro de cada homem não está estabelecido, é algo que deve ser construído segundo o critério a que todos estamos condenados: a nosso própria liberdade.
As encruzilhadas que a vida nos traz e as tentações, não são um mal nem um bem, são o que são. São circunstâncias que a desordem da vida nos traz, e perante as quais cada um de nós tem de escolher, decidir, tomar uma decisão. Escolhendo o seu futuro perante os infinitos possíveis. E é nesta capacidade de escolha, que reside o grande ímpeto da humanidade. Esta desordem, é a ordem no seu estado de graça. As bifurcações, tornam-nos mais fortes: se nos perdemos, aprendemos, se tomamos o caminho certo, e seguimos realmente o que queremos, tornamo-nos mais fortes e decididos. Sem tentações, a humanidade padeceria de infantilidade, de gente indecisa, que nunca foi obrigada a escolher verdadeiramente e a assumir a responsabilidade das suas acções. Tudo exige uma escolha. E as escolhas sim, podem ser más ou boas. E claro que, há escolhas difíceis, mas nunca, de facto, é tarde demais, não perdemos possibilidades por acumularmos passado, nem por sonhar demais. Na verdade, envelhece quem decide que a vida não dura mais. No final deste texto, eu mesma, tu mesmo/a, já não és o mesmo, outra luz te ilumina. Espero que te ilumine ao ponto de ires concretizar um sonho, algo que queiras efectivar, qualquer coisa, sem temer e sem tremor. Tudo o que for preciso, para o tornar real. Se não der certo, aprendes. Cresces. O sentido da vida, é buscá-la, os sonhos são actos de amor, afirmações existenciais, através da liberdade que Deus nos concedeu. 
"Um dos exemplos do paradoxo actual na política é que os políticos nacionais têm quase todos ideias muito claras sobre o que os políticos europeus deviam fazer, nomeadamente o que deveria fazer a Chanceler alemã! Mas, aparentemente, já não têm tantas ideias sobre o que fazer internamente!"
Ventura Leite, in Solução para a crise, Esfera do Caos, 2012

Bem visto, e com uma resolução simples, assim que a Chanceler alemã proclamar o que se deve fazer internamente em Portugal, os políticos nacionais já passam a saber com clareza o que fazer internamente. E Portugal? E o povo português? Repare-se que o papel do Governo - por eleição - é impedir o saque do País. Um governo que considera justificável o desemprego, os salários miseráveis, a incerteza de um serviço de saúde  diligente e para todos, os cortes no ensino,  a possibilidade da inexistência de uma reforma que garante uma velhice digna, é um governo que considera um retrocesso civilizacional em Portugal.
A ficção: 
Mãe portuguesa desempregada? "É para seu bem." 
Família que vive mal? "É para prestigiar o país no Estrangeiro." 
Pai a trabalhar mais e a ganhar menos? "É para glória presente e posterior de Portugal." 

A realidade: 
Estudantes em situações insustentáveis e com propinas em atraso? É a garantia de que os filhos dos mais pobres estão condenados a prosseguir a condição social dos seus progenitores.
Precariedade e instabilidade social? Impossibilidade de um mínimo planeamento familiar de vida, e por conseguinte, inexistência de uma garantia de reforma que permita viver a velhice com dignidade.
Desigualdade social? Significa, que o país mais do que ter pouco dinheiro, tem-lo mal distribuído.

Sem grandes mordomias, em conclusão o dinheiro está simplesmente a converger para um quadrante, o político, gerador inesgotável de corrupção, que muda a ramagem mas que mantém o cerne imutável para continuar a suprimir apetites pessoais. Há quem fale de défice democrático, e quando o diz, não o diz como uma simples frase. A verdade, é que a crise económica, a degradação política e social iminente, é fruto de um recuo democrático. Após todas as lutas para o nascimento da democracia, deixou-se que os ideais da mesma se diluíssem em fascínio pelo recém-estrangeirado, em ilusão por uma cultura de subjugação de poder e, acima de tudo, conduziu à perda de pragmatismos patrióticos fundamentais.

Esta diluição não é culpa de um partido no governo. A culpa é dos que a criaram, dos que não a travaram e dos que a ignoraram. E posso reescrever a frase usando o presente.

A direita longe de ter o seu papel como partido conservador de preocupações sociais e éticas fundamentalistas.

O PS perdido na definição etimológica de oposição, baseia o seu comportamento numa ética comportamental de responsabilidade sem qualquer conteúdo político útil.

O PCP emergido na memória das suas glórias, não compreende, que a actualidade é actual e, portanto, um tempo absolutamente diferente. As lutas sociais não podem ser somente preservadas, mas sim têm que ser renovadas, segundo a conjuntura laboral patente. A autopreservação rapidamente conduz ao isolamento, e não só não é contagiada, como também não contagia.

O Bloco de Esquerda, apesar da apresentação de alternativas, tem que à mesma velocidade com que a crise anda, compreender que, em tempos dramáticos, o tempo para a aplicação de alternativas é muito curto. E portanto, a maior capacidade de resposta, neste momento, prende-se com o estabelecimento, à esquerda, de pontes. A renúncia ao sectarismo personifica a identidade de esquerda. E um partido que nasce para desbloquear. Não pode tornar-se um factor de bloqueio.

Tudo tem que ser renovado, reaprendido, porém nada se inicia sem um pretérito. Os políticos terão que se adaptar, começando por repensar as suas alianças políticas, que podem ter que ser bem mais amplas. Porque a emergência nacional não se cuida a prestar cuidados a si mesmo. Se o fizerem, estarão condenados à inutilidade.


A arte de amar, por Manoel Bandeira (Recife 1886- Rio de Janeiro 1968)

"Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus — ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não."

Januarismo


Soube, pois, que D. Januário Torgal Ferreira sobre o título oficial de Bispo das Forças Armadas, compareceu hoje no 5 para a Meia Noite.  A sua inteligência - rara (por sinal) - e a sua pretensão "popularucha" de manifestar a sua "verdade" tem tomado proporções imensas e ridículas. Não me surpreende que os comentários que D. Januário tem tecido, despontem nele aclamações de conhecimento, serviço e humanidade. Visto que, como habitualmente, qualquer comentário que critique o actual governo é digno de aplausos. É fácil... A nação de agora, como a de todos os outros tempos e de todos os outros homens, rege-se pela inércia e pela acrítica. E estranhamente nós até sabemos disso, tal como sabemos que tudo continua como antes. No entanto, este cenário é-nos convenientemente camuflado por um sentimento de pseudo-movimento veiculado pelos tais "comentadores políticos". E nós adoramos isso! Trata-se de um grito interior (tomado como próprio) tão orgásmico que ficamos com o discernimento completamente tolhado. Enquanto cristã, acho inadmissível um Bispo, julgar-se possuidor da verdade, e mais, numa versão maliciosa de subjugação de poder, publicitá-la. Isto não só cria intrigas políticas, como acima de tudo, permite a manipulação de consciências. Repare-se que um bispo tem a missão de servir os outros, e esta premissa tem um único fim, o de movimento de todos os seus esforços para um bem comum. A posição de um Bispo e de qualquer outro sacerdote, não pode nunca ser usada como instrumento para exibições individuais e tentativas desesperadas - mas com elegância e originalidade - de defender as suas ideologias políticas. D. Januário tem sim a obrigação de interceder pelo povo. E a Igreja tem sim uma palavra a dizer no campo da política como "corpo" com a missão de adverter para a necessidade da defesa da Verdade, da Justiça e da Vida. Mas essa intercessão não é ajustável, não está abaixo de posições partidárias, e muito menos pode ser um móbil para intervenções tontas sem qualquer consciência das consequências que representa. O que temos é um Januário homem que não ousa defender o país dos seus males, defeitos e vícios, quer políticos quer humanos, independentemente da sua origem e contexto. Um Januário homem que não compreende a responsabilidade pública dupla (homem e homem de Deus). O que temos é um Januário homem que fala muito com a boca e que fala pouco com as mãos.

"Segunda ingenuidade"

Quantas vezes já não ouvimos a frase cliché "a vida é simples, nós é que a complicamos". Bem não é cliché nenhum, cliché é tendermos todos para este emaranhado de complicações, de intelectualizações, de artifícios e máscaras. Ser simples. É esta a nossa grande dificuldade. Possuímos todos, eu inclusive - e provavelmente com um maior expoente que a maioria - uma enorme incapacidade de nos revelarmos "nús". Muitas vezes por termos consciência das nossas lacunas e de possuirmos um tremendo medo de nos apresentarmos fracos e humanos. Ora, este medo é o mesmo medo que impede os outros de nos conhecerem tal como somos ou pior que nos conduz a um ser que toma proporções caóticas. Ser simples não é somente a negação de ser complicado. Ser simples é ser humilde, verdadeiro e sensível. Humilde, para nos aceitarmos como somos, sem pretendermos ter sempre razão e sem erguermos barreiras ao que somos. Verdadeiro na única verdade que interessa: o amor. E sensível, como condição para estarmos atentos ao outro, para ouvirmos, mais do que falamos. Para que assim, estejamos para os outros e pelos outros, sem fugirmos do essencial. Com a idade, vamos perdendo esta capacidade, a capacidade de mostrarmos uma ingenuidade própria de criança. Julgamos que para sermos fortes temos que construir um enorme muro, para nos tornarmos inabaláveis, imperturbáveis e inalcansáveis. Tudo isto torna-se tão perverso e enganador. E não julgamos nunca que este muro nos impede de amar e ser amados. Aparentemente crescidos e fortes, e essencialmente pequenos e fracos. Só se aprende a viver se nos deixarmos entregar, se confiarmos o que somos aos outros. Porque só assim podemos crescer. Sabendo que existe a possibilidade de fazermos mais e melhor. E acima de tudo, de sermos quem somos. Trata-se de aprender a revelarmo-nos. O primeiro passo é não nos sentirmos seguros no nosso estatuto de "inquebrável", e apelarmos à criança que existe dentro de cada um de nós. Não como um retrocesso, mas sim como um estímulo a avançarmos sem complicações exageradas, e em busca do essencial.

Um hino aos que se deixam cair

E eu que sou o rei de toda esta incoerência,
Eu próprio turbilhão, anseio por fixá-la
E giro até partir... Mas tudo me resvala
Em bruma e sonolência

Se acaso em minhas mãos fica um pedaço de ouro
Volve-se logo falso... ao longe o arremesso...
Eu morro de desdém em frente de um tesouro
Morro à míngua, de excesso

Alteio-me na cor à força de quebranto
Estendo os braços de alma - e nem um espasmo venço!...
Peneiro-me na sombra - em nada me condenso...
Agonias de luz eu vibro ainda entanto

Não me pude vencer, mas posso-me esmagar
- Vencer, às vezes, é o mesmo que tombar -
E como inda sou luz, num grande retrocesso
Em raivas ideiais, ascendo até ao fim:
Olho do alto o gelo, ao gelo me arremesso

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Tombei...
E fico só esmagado em mim

Mário de Sá-Carneiro, A Queda

Anedotas políticas

A propósito do tema "Relvas":  "Fiquei satisfeito porque agora também vou requerer várias licenciaturas para mim". (JJ dixit)

Alberto João Jardim, o inimputável com "30 e não sei quantos anos de governo, engenheiro honorário declarado pela Ordem dos Engenheiros, doutorado ‘honoris causa' por uma universidade, presidente de várias associações filantrópicas" a demonstrar a sua indignação.

Adormecer numa cama de faquir


Constitucionalidade: qualidade daquele que é constitucional, que nunca é inconstitucional, sempre sim, conforme a constituição de um Estado. 
O órgão responsável pela manutenção da constitucionalidade, o Tribunal Constitucional, tem como missão a definição de limites, principalmente quando a aplicação de leis consegue transcender barreiras políticas, económicas e sociais.
A austeridade ganhou uma dimensão sobre-humana, e os cortes desproporcionais dos subsídios, já há muito que nos apareciam como distantes do princípio da igualdade.
A decisão do Tribunal Constitucional, não tem em si nada de errado, pois é um julgamento segundo os pressupostos da actual constituição. O busílis da questão é que o Tribunal Constitucional surge involuntariamente como um órgão que legitima a ilegalidade, uma vez que, promove uma interpretação conveniente do governo perante a sua decisão: "Não cumpre o príncipio da igualdade, então estendamos os cortes ao privado." Com efeito, permite-se, uma  santa equidade, em que ficamos todos igualmente mais pobres, enquanto o estado ficará igualmente mais gordo. No fundo, abriu-se a porta para se estudar a melhor forma de confiscar o resto dos portugueses. 
No entanto, considero o julgamento do TC importante, na medida em que a lei surge como um justo empecilho ao progresso da austeridade, e que mesmo ela se mantenha à tona este ano, obriga à revisão do que está vigente, e a que não volte a emergir nada que seja inconstitucional.
A promessa da aplicação de impostos extra no sector público e privado, surge como um apelo. Um apelo de um Vítor Gaspar que se vê perante um governo fragilizado,  com dificuldades em cumprir um modelo orçamental e que necessita desesperadamente de mais tempo para diluir o défice. Mas que não o tendo ou não o querendo admitir (retirem as vossas ilações) irá procurar contorná-lo. Afigura-se-nos, portanto, um medonho 2013.  E  escolhas como estas, loucas e sedentas pelo cumprimento da austeridade, permanecem cegas perante factos que demonstram insustentabilidade política, financeira e social. E um governo assim que  põe o seu povo a deitar-se numa cama de faquir, com mais pregos para se distribuir melhor o peso,   irá destruir a economia para pagar a dívida, atacando o consumo interno, e ao fim ao cabo, pondo em causa o pagamento da mesma dívida.  Porque enquanto o governo se auto-admira como Narciso, há um povo inteiro a ser vaticinado.

Em pacificação...

É fulcral que compreendamos que a paz, o caminho para a felicidade, só se consegue com a dinâmica e o equilíbrio entre a razão e a emoção. A emoção, enquanto condição essencial ao despertar do coração, para que possamos amar sem limites. Sim, porque o amor quando é possível, é excessivo e para lá da norma. E a razão, enquanto inteligência para buscar a verdade sem desânimo, edificada sobre fundamentos que nos permitem discernir o que é justo, nobre e digno. Sempre com a consciência que o que buscamos é fruto da fé, e portanto, sustentáculo do amor e da vida. A paz, não é um estado que se vive na ausência de afrontas, angústias, conflitos e erros, é sim, o resultado de uma conciliação harmoniosa entre o desafio e a coragem de o enfrentar. A paz, é um acto de não-aceitação. Não é um estado inerte, nem de repouso. É um estado de movimentação, mobilização de forças e, acima de tudo, tradução da pureza do nosso coração. A paz é algo que nenhum homem pode dar a outro. Um dos fins mais importantes da paz é a de reconciliação connosco mesmos. Logo, a paz supõe uma luta interior, dolorosa e duradoura. Mas a firmeza não se constrói na facilidade. E neste caminho da Vida, onde se corre, sofre, as fragilidades humanas converter-se-ão em forças, com o devido ingrediente: o amor. A paz vence a dúvida, o erro, a fraqueza e o conflito, porque humanamente pacificados, divinamente encorajados. Por sabermos que procuramos a verdade plena.

A "excelente ideia"



Hoje perguntei ao meu pai: Pai o que é a união europeia?! (não procurei dirigir qualquer resposta). E ele, rapidamente, respondeu: É a união de alguns países da Europa. De seguida, interpelei-o: E agora, o que achas que irá acontecer? E recebi esta afirmação: Vão desintegrar-se todos, porque cada um chega as brasas à sua sardinha.


Ora, para mim, a União Europeia é uma excelente ideia. Que não vigora. É, então, um império económico e político, onde se reduzem as grandes ideologias da humanidade a meras etiquetas sem valor. Tomemos por exemplo a democracia. Como a vivemos é uma ridícula falácia desprovida de sentido. Sim, sim os governos são resultantes de eleições democráticas. Mas, logo após, os resultados eleitorais, os governos transformam-se em mandatários de um só poder, não o do povo, quando esse deveria ser o único, mas sim o do aparente único e real poder efectivo, o das conjunturas económicas e financeiras.

E qualquer, sinal de convergência dos lideres europeus na resolução da crise económica, não é ideológica, mas sim uma táctica natural da defesa dos interesses do país que governam. Esta falsa união política concentra, portanto, cada vez mais poder nas mãos das grandes potências europeias. Ora, refiro-me portanto ao eixo franco-alemão. E, com efeito, os países mais fracos são, pelo seu reduzido poder político e económico, os primeiros sacrificados. Agora, parecem impor-se duas alternativas, que o Daniel Oliveira tão bem clarificou: "Hoje, como europeus, temos uma escolha a fazer: ou salvamos o barco ou saímos do barco. Ou federalizamos a Europa, criando todos os instrumentos políticos, económicos e financeiros (os três em simultâneo) para garantir a soberania do povo sobre o seu futuro; ou pomos fim a esta loucura e cada um trata de si, protegendo as suas economias, tendo moedas próprias, políticas aduaneiras próprias, incentivos à produção nacional, etc."

Bem, sinceramente não acredito que Portugal reúna condições para seguir o segundo caminho. E o primeiro, é uma utopia de bolsa. Desesperante, de facto.


Merda: a "gaia ciência"

Sim, infelizmente, todos fazemos parvoíces, cometemos erros, possuímos defeitos e somos falíveis. Não admira, por isso, que sejamos nós também a sofrer os efeitos das consequências dos nossos males. É claro, que os erros são uma espécie de flagelo. Agora, o problema prende-se com o alvo que se deve deteriorar. Primeiro, passa por compreendermos que as auto-avaliações carecem muita vez de realidade e, raramente, são análises correctas e devidas dos nossos falhanços, ao longo da nossa história de vida - ou porque são destrutivas de "ser", ou porque, nem sequer existe consciência para analisar seja o que for. Segundo, que é nos falhanços que se encontra a matéria-prima para construirmos um ser melhor. Terceiro, e por fim, se os erros são uma espécie de flagelo que o sejam sobre o alvo devido: o que correu mal, e não sobre o que de nós pode correr melhor. Porque na verdade, tendemos a encarar as derrotas como uma desculpa plausível de não voltar a arriscar. E isto, acima de tudo, consequência de uma preguiça mental imensa, em que preferimos esquecer do que voltar a tentar. E portanto, ficamos sempre aquém das nossas possibilidades, vitimas do nosso medo. Quanto tempo demorará para compreendermos que os fracassos de quem ousa desafiar-se a si mesmo e ao mundo são sucessos? Porque o simples arriscar, contribui para uma introspecção sobre os fracassos, que nos poderão conduzir a futuros sucessos. Sendo que, espíritos de ânimo corajoso e elevado, prestam atenção exponencial a tudo, estando ou não perante sucessos, na medida em que o que existiu de negativo (ou de menos positivo) seja uma oportunidade para se estudarem, emendarem e aperfeiçoarem. Digo, simplesmente, que a inércia não conduz ao fracasso, mas também não propicia o sucesso. Porque, por vezes, o maior sucesso é tentar. Deixando de uma vez por todas este empobrecimento induzido de espírito que não benefecia de felicidade. Não nos iludemos, na vida se queremos brio e vitória, devemos ter quedas e derrotas. Ninguém nasce perfeito no ventre materno. É preciso cairmos, para termos necessidade de evitar quedas. Tal como, por um lado, dá pena vermo-nos nesta pobreza não só de pensamento como de bolso, mas como por outro, possamos aprender, desta forma, a nunca mais  nos colocarmos nesta situação (como dizia o outro). E a graça está, no momento, em que a merda se transforma na "gaia ciência".

O pseudo-sucesso


Onde começa a afirmação do poder do estado, termina a liberdade do indivíduo. Em sociedades injustas, pobres de espírito crítico, iludidas por um governo que ao invés de promover a diversidade de pensamentos, responde ao pluralismo com mais centralismo, em sociedades assim, como esta, o que está em grande causa é a educação. A liberdade de educação é constantemente relativizada, confunde-se o actual facilitismo com uma directriz completamente libertina do estado perante a educação. Mas repare-se que, por parte do governo, o que existe, é uma enorme centralização de poder, em que tudo é decretado ao mais ínfimo pormenor, no pormenor da reprovação do aluno, como por exemplo. A mensagem que passa, é que com tanta burocracia, o Estado está de facto exaustivamente preocupado com o processo educativo. Mas o que, de facto acontece, é que este pressuposto, é somente, uma enorme máscara que substitui o conceito de avaliar bem, por controlar bem o processo. E portanto, controla-se o processo em demasia, mas avalia-se mal. Os estudantes não são avaliados, os educadores não são avaliados e os resultados não são avaliados. Nada do que efectivamente corresponda a exigência, ocorre. Criou-se uma espécie de controlo estatal que tem a Educação como pertença, e não como serviço. Como uma missão reguladora, com determinadas directrizes de referência genéricas, que sobretudo, controlem a Educação para o seu caminho correcto: a avaliação do que se está a passar mal. E o que se está a passar mal, é a priori, a predisposição dos pais, que se vão à escola não vão julgar os filhos por estudarem tão pouco, vão para protestarem com os professores por lhes darem notas tão baixas. A seguir, é que se trabalha para as estatísticas, sobre o pretexto de barbaridades grandiosas que enchem os ouvidos: "o que interessa é cidadãos críticos e activos". Vejamos o exemplo das Novas Oportunidades com o grande slogan "Aprender compensa", como é que pode compensar, se combatemos o insucesso, os maus resultados, com o facilitismo? O insucesso disfarça-se, com exames e projectos simples, para manter as aparências quer a nível interno quer externo. E depois apela-se à teoria de que não interessam os conteúdos, mas sim, cidadãos críticos, capazes de fazer o bem. Esta é simplesmente a desculpa para os preguiçosos démodés, isto é, para os pedagogos mariquinhas com medo dos maus resultados dos estudantes mimados. Como é que podemos ter um cidadão crítico se tem dificuldade em ler o jornal, se não tem em seu poder substâncias simples de história ou português?! Não podemos trabalhar para o ressentimento de uma geração, porque isso não acrescenta rigorosamente nada ao país. O que faz falta é uma exposição da ferida. O insucesso só se combate com exigência.

Verdade política

Não questiono a boa-fé de muitos cidadãos que se tornaram políticos, acredito piamente que muitos deles acreditassem a meio do caminho da sua ascensão ao poder, conseguirem, efectivamente, alterar o rumo do país, segundo os seus princípios. A questão é que se vinculam a um determinado partido, com uma determinada ideologia. E nesse processo de vinculação muito se perde, e acima de tudo, porque se instaura um processo de contaminação de consciências. Ora, a verdade, é que temos muitos homens que sentem esta necessidade de serem "revolucionários", mas, no entanto, são fracos, porque se compadecem ao velho drama de sempre, à necessidade de uma cultura de poder e não de uma cultura crítica. E portanto, arrastamo-nos para as mãos de pequenos homens, que governam as ideologias (que não são necessariamente suas), e por conseguinte, a sua própria sobrevivência. É humano que assim seja. E com efeito, estes pré-políticos, entram numa espiral descendente de princípios, que se contrapõe a uma espiral de ascenso da necessidade de sobreviver. E quase sempre, isto ocorre de forma inconsciente (que ingenuidade a minha). Inicialmente, os que até possuiam uma coluna vertebral, deslocaram a coluna. E o espaço que pertenceria à coluna fica vazio, débil, propício ao parasitismo de invertebrados. É fácil tornarem-se tão pouco, e tão silenciosamente. Esta é uma espécie de torção imperceptível. Julgam que no poder existente, encontrarão protecção, projecção e ascensão. E esquecem-se que já estão a padecer do mesmo problema do poder que criticavam anteriormente: a corrupção. Nem que seja de pensamento, e daquilo que se é. O poder corrompe. E portanto, a melhor forma de se conhecer o carácter de um homem, é dando-lhe poder (Lincoln).

Vejamos este caso. Existe aparentemente uma oposição. O que é que ela pretende? "Voltar ao poder? Loucura! Minorar o governo? Estupidez."  (É boa, é a fazer oposição a si mesma). "Actuar em nome de princípios que jamais tiveram no poder? Hipocrisia."
A verdade política é como tudo na vida: Mutável.

"o coiso" do Santos Pereira

Um resumo do meu silêncio. Por todo o mundo surgem sucessivos escândalos. Temos a polémica em torno do Vaticano, em que parece que foram revelados determinados documentos, que dizem não sei o quê, sobre não sei quem, com um determinado propósito, segundo o qual se desconhece a causa. Mas é uma grande notícia. Temos também, o caso das Secretas, ao que aparenta, inverteu-se a situação, já não temos jornalistas a denunciar jogos de poder políticos, mas sim políticos com jogos de poder a denunciar escândalos jornalísticos. Entretanto, ao virar da esquina surge o tão aclamado PM, que diz que não demite ninguém por receberem mensagens. Inteligente ele. Correcto e transparente. Claro, que como para o povo português o que parece, é. E o que é, não é. Tudo se admitiu com uma enorme verossimilhança. É sempre a mesma coisa a mentira  redunda sempre à verdade. Chegou a altura de apelarmos à utopia de bolso, como dizia o Ricardo Araújo Pereira, mas sejamos modernistas, apelemos à utopia das frases Nicola, ou aliás, melhor ainda, à utopia dos bolinhos da sorte chineses. Que esses é que abrem oportunidades, esses é que nos permitem ambicionar ir além do impossível e suportar o insuportável. E como sugere o nosso Governante, cheio de lirismo, o desemprego é a arte da possibilidade. Pois, até poderia ser. Se não estivéssemos sem possibilidades, se não tivéssemos que ser tão pragmáticos para sustentar as nossas famílias. Portanto, uma boa possibilidade que  se perdeu foi a de ter estado calado. Tal como o biltre do ministro da economia. Que define o problema do desemprego como "o coiso", que tem que ser ultrapassado. Muito elucidativo, de facto. O meu pai quando não quer dizer "o caralho", também diz "o coiso", é tudo uma questão de mascarar as verdades inconvenientes. E porque nem tudo é mau, deixo aqui o meu aplauso de pé à coragem e coerência do Nuno Crato em responsabilizar os pais pelos comportamentos dos filhos. Porque não nos podemos demitir da educação dos  nossos filhos. Amen.

Triste e fatal

Oscilamos entre o tudo e o nada. Confundimos mecanismos com causas, descrições com fenómenos, linguagem com pensamento, enfim somos peritos na aparência e incapazes de transparência. Entenda-se que incubámos uma espécie de manual de sobrevivência, nascemos, criamos uma biografia própria, com determinados factos distintos, algumas anedotas para demarcar uma personalidade bem-humorada, alguns rancores para não parecermos demasiados santinhos, algum despeito por aquilo que somos para manifestar a nossa faculdade prima da modéstia, pronto, que seja, algumas historinhas para alcançar a consumação plena, e morremos. Tudo acaba. Afinal depois de tantas tentativas para que os outros construam as impressões que pretendemos que concluam. Morremos. Ó que triste e fatal destino, inevitável, ilógico, estúpido, injusto. Afinal a maior conclusão é morrer. Não porque é um fim, pressuponho. Mas porque é o início da percepção de tudo o que dá sentido às nossas vidas. Com o seu quê de perversidade, mas perfeita na sua amálgama. Eis a questão: como seria se estivéssemos na iminência de morrer? Eu, sinceramente só queria garantir que a minha morte determinaria que tinha vivido segundo as minhas expectativas, os meus sonhos e a minha loucura. Que a minha mortalidade proclame as minhas obras. Porque o homem é pequeno, fraco e cambaleia rapidamente entre o certo e o errado. E deixemo-nos de tretas, a nossa vida é minúscula. Não há grandes homens, há actos que, às vezes, são grandes, como surtos de grandeza existencial, mas mal acabados os actos, voltamos à nossa dimensão. O propósito não é estagnarmos, é aperfeiçoarmo-nos, tornarmo-nos melhores e sermos mais felizes. Sem artifícios e aparências, sê um "eu melhorado", não um "eu postiço".

Anti-liberdade

Dificilmente compreenderão a dor que tenho ao ler comentários predominantemente anti-liberdade, mesmo que os criadores destes não tenho a absoluta ideia desta convenção. Refiro-me a vitupérios como: "De que serve a liberdade a um desempregado?" Visto à distância parece uma pergunta que revela preocupação, interesse pelas necessidades do outro e sugere uma certa vontade de as satisfazer. Até aqui tudo é admissível. Agora, visto meticulosamente, impõe-se como uma pergunta que não serve de mais nada, senão de prefácio a um compadecimento a esta menoridade política que não vale os proeminentes princípios. O que evidentemente, demonstra uma ridícula ignorância, ou numa perspectiva muito positivista, uma má-fé imensa. O povo esqueceu-se da versão portuguesa censurada, esqueceu-se de como foi viver desempregado e sem liberdade, esqueceu-se de como foi ver famílias a serem despejadas por fazerem uso do seu entendimento, esqueceu-se de como foi viver na mais pura miséria de se ser humano, não o sendo. Isto é, mortos pela censura. Repare-se que nada nos diminui tanto como a impossibilidade de expressarmos o nosso discernimento, e portanto, de  nos mutilarem a  faculdade que nos permite relacionarmo-nos com o mundo. Não se trata somente, de um processo mecânico e abstracto, mas também, e acima de tudo, um mecanismo de expressão pessoal e construtor de uma identidade.  Lembrem-se dos fuzilados, dos degolados, dos estraçalhados, dos mortos, mortos e mortos sem liberdade. Privados do uso da nossa inteligência vivemos tão mortos quanto estas vitímas. Manifestamente quem compara a situação actual à época do salazarismo sofre de dois grandes problemas facilmente diagnosticados por alguém que pense: ignorância e estupidez. Saibam, que provavelmente vivemos na mesma merda, mas saibam também que agora, temos paz, e a possibilidade de gritar que este governo é efectivamente, uma merda.

(Para que conste: inspirei-me num comentário do Henrique Monteiro que constou.)

Eros vs Agape

Acredito, sinceramente, que cada um de nós tem a oportunidade de um amor eterno. O problema reside na confusão evidente do eros com o agape. O eros impõe-se como o desejo, isto é, a atração natural do homem ao outro, visto que nada nos torna mais felizes do que sermos algo para o outro. Necessidade esta, que demonstra o quanto temos medo de ser rejeitados, o que por conseguinte, conduz ao grande défice de compreensão de sentimentos em que vivemos. Vivemos na ânsia absurda do reconhecimento e do significar tudo para alguém, que nos tornamos incapazes de vínculos puros e autênticos. O ânimo humano já não busca amar o outro, mas sim, amar-se a si mesmo por intermédio do outro. O eros é a parábola humana mais original do homem, que nos impele para o desejo do amor, no entanto, infelizmente, reduzimos as relações ao prazer, à aparência e ao superficial. E reparemos que não é uma questão de negar o eros, mas sim, de compreender que as relações não se reduzem a instrumentos de prazer, de exibicionismos e de hipocrisias. Não há amor sem o eros inicial. E o grande trabalho humano diz respeito à conversão da paixão em amor (do eros em agape). Porque todas as paixões no fascinam, cansam-nos e iludem-nos, com este mesmo encadeamento, se não forem configuradas em amor. O amor de entrega, despido de mecanismos. Eis o milagre pelo qual devemos suar: doarmo-nos ao outro. Porque é o amor que confere à existência sentido,   numa tentativa constante de nos aperfeiçoarmos enquanto individualidades, e consequentemente, enquanto colectividade capaz de êxtase e comunhão - a possibilidade do prazer de viver, sem medo de amar.

O homem, demasiado homem

A vida constitui-se como uma totalidade onde coexistem paradoxos imensos que impelem o homem para um sofrimento atroz. Até a maior lucidez é apagada. Conhecermo-nos enquanto entidade humana é um espectáculo, onde nós somos o palco dos nossos pensamentos e emoções, que pretendem causar a impressão pretendida no espectador. Não é, portanto, uma questão de ser, mas de transmitir uma imagem. Imagem esta, que é mecanizada por uma necessidade inevitável de todos nós - a de sermos aceites, a de estarmos integrados, adaptados, e por conseguinte, a possibilidade de sermos amados. No entanto, desconheço necessidade que nos reduza tantas vezes à normalidade, à estandardização do que esta carência que nos distancia de nós mesmos, e que nos aproxima de todos os outros, também já distanciados de si. A expectativa de sermos aceites, tornou-nos comuns, limitou a nossa ascensão enquanto individualidades únicas e padronizou-nos. Trata-se de vivermos num mundo cada vez mais escuro, perante o qual a nossa visão vai involuntariamente ficando mais limitada. No entanto esta é uma limitação adaptativa. Esta duplicidade deve ser consciente, e não conheço nada que seja mais encorajador do que a irrevogável capacidade do homem para elevar a vida através do esforço para demonstrar a sua essência natural e pensada e não a incutida e artificializada.

Herberto Helder, uma furibunda concepção

"Poema não saindo do poder da loucura.
Poema como base inconcreta de criação.
Ah, pensar com delicadeza,
imaginar com ferocidade.
Porque eu sou uma vida com furibunda
melancolia,
com furibunda concepção. Com
alguma ironia furibunda."
Herberto Helder, In «Ou o Poema Contínuo», Assírio & Alvim, 2001
O mistério da vida, um percurso entre o que irremediavelmente tem que acontecer e o que não acontece nunca.

Maledicência

A maledicência é um efeito típico de um medo interiorizado, mais inconsciente do que consciente, que acaba por definir o carácter dos portugueses. O genoma português é constituído por este "medo do poder", que está de tal forma inscrito que perdura por gerações na sua forma mais degenerativa, mutiladora e contagiosa. O medo motiva, portanto, os insultos políticos, a crítica acrítica, o popularismo de primeira e os arremessos pobres de conteúdo. Estas intervenções, aparentemente capazes de um vitupério que aleije, de nada servem, senão de fingimento de acção. Podemos até ser capazes de criar uma lista de queixas de uma imensa qualidade imaginativa e ultrajante, mas que de nada nos servem se são ineficazes. As palavras bradadas não contróiem obras, não movem revoluções, não fazem nada senão dar uma ideia de acção, que efectivamente não acontece. Reparem que este "medo do poder" nunca será inexistente. Mas a nossa inconsciência conveniente dele permite que se imponham regras de comportamento e que se delimitem interditos. O que constitui um limite severo à liberdade de expressão, ao pensamento e às acções livres! Parece que nesta sociedade não dispomos de alternativas de vida à forma vigente. E este é um efeito devastador que abre espaço para o exercício de poder de pequenos déspotas e de grandes burgessos.

Medo de ter medo

Tenho passado uma estação muito difícil: não consigo escrever uma linha que seja, acerca dos meus sentimentos. Sentimentos de teor, somente, pessoal e exclusivo, explicito. Esta incapacidade desespera-me, porque é resultado de um estado interno profundamente desnorteado. A falta de sentido para a minha vida aumenta com o tempo, e consequentemente, com ele todo o meu ser se fustiga corporalmente, e a minha alma, a minha força de vida vai-se corroendo. Sonhos a mais (se bem que não acredito num grau quantitativo que adjective o acto de sonhar), incertezas petrificantes, inseguranças absurdas, e toda uma panóplia de dificuldades que no seu âmago  me atingem como se de uma doença se tratasse e que me deixa diminuída, meio exangue e com um défice de força vital. Este niilismo que deriva do medo, e que subsequentemente, provém de uma "imagem de mim" automutiladora, inibe a expansão da minha potência de vida, e até mesmo, da minha vontade de viver. No entanto, nunca fui dada a sentimentos tristes, e embora os sinta não os encarno. Porque o medo não é vida para ninguém. Eu não não ando "pr'aqui" como os demais. E ninguém vence e erradica o medo, sem agir! Portanto, ajo de forma a que exista, a que viva, a que ame e a que crie. Não obstante, o medo continuará sempre a pulsar, não sejamos crédulos e ingénuos ao ponto de o ignorarmos. Mas recuso-me a obedecer a esta doença de vida que ataca existências e as impede de crescer. A prudência e o bom-senso são aliados do medo e inimigos do nosso ser. O nosso verdadeiro tamanho medir-se-á pela movimentação dos nossos esforços para enfrentar o medo, ou pelo contrário no nosso investimento para "o manter". No fim, só nos arrependeremos das possibilidades que não aproveitámos.

Infra-homens

Os nossos vícios e defeitos tornam-nos, per si,  humanos ou  sub-humanos? A verdade é que não há humanos sem vícios e sem todas aquelas imperfeições que tanto, aparentemente, fingimos não ter. Portanto, creio eu,  que o motivo de disparidade entre o conceito de humanidade e de infra-humanidade se prende com a maior ou menor consciência dos nossos defeitos, e não na negação da existência dos mesmos. E quando uso o termo consciência, pressuponho um estado ciente interno, mas que, se manifesta, factualmente, no domínio do concreto. E é de facto, oportuno, esclarecer esta falsa e típica crença, de que o pensar agir equivale por si mesmo, à concretização da acção. Desta forma, os vícios estão inscritos no ser humano, mais no inconsciente do que no consciente, o que constitui uma barreira à expressão das capacidades e das forças humanas, reduzindo-nos muitas vezes, somente, à manifestação do "pior". No entanto, a não-expressão, não supõe uma não-existência, ou um peso menos relevante e capacitado do "melhor". Contrariamente ao que veemente defendemos, a dificuldade é fazer um exercício governado e lógico da nossa liberdade e racionalidade, tendo em conta todas as propriedades que constituem o ser humano. É o uso irracional da nossa inteligência que nos torna sub-humanos, e como tal animais. Com efeito, qual a origem que determina este comportamento cada vez mais vigente na nossa sociedade? Acredito, que o locus da questão é o medo, e a sua fácil posterior emancipação: o medo é medo do poder, mas também da impotência natural perante o poder. Medo de não saber e de ser desmascarado. Medo de ter medo. Medo de parecer ter medo. Medo de parecer vulnerável, ignorante, incapaz, medíocre, fraco. Medo de agir, de tomar decisões. Medo de amar, de criar, de viver. Medo de arriscar. Medo que serve de desculpa ao estaticismo, ao não subjugamento das forças do mundo com a nossa própria força de vida. Medo que por sua vez é desencadeado por uma simples e vergonhosa razão:  insegurança em nós mesmos, que deriva de uma subavaliação autodestrutiva que o indíviduo faz de si mesmo. Claro que falamos de algo bem enterrado, bem reprimido, sobre imensas e longínguas camadas de mecanismos de defesa, que se apresentam à superfície, com a ridícula notoriedade que verificamos todos os dias na nossa pobre sociedade.

É a vida!

Ainda não encontrámos ninguém que fosse humano, e que conseguisse com inteligência e moralidade governar-nos. Isto porque é intrínseco ao homem, amar o dinheiro, e infelizmente amamo-lo muito mais que às pessoas. Reparemos que quando falamos de crimes acontecidos, não falamos dos próprios, porque cada qual sabe de si. No entanto, sem escrúpulos e mecânicamente, proclamamos extremas justiças e averiguações face a "culposos" actos de outros. Ou seja, encaramos o outro como um meio, e tudo se inocula num espectáculo sem (res)sentimentos e sem significados. E isto é a Terra. Mas não é a Vida! Portanto, esta cosmovisão que nos remete para uma inutilidade do nosso agir, é de um enfraquecimento delirante da nossa razão. Convém-nos permanecer nesta cegueira, de que pertencemos a um mundo imutável, como se não participássemos nele. Como se estivéssemos fora da vida, dentro dela. E tudo perde significado. Mas como eu, naturalmente ou não (é relativo), tenho consciência desta "ausência de nós em nós", e me apercebo deste afastamento da vida. Sobressalto-me! O que foi, e não digo o que é, porque bem sabemos que o passado são sucessivos presentes,  não pode estratificar-nos, como se nada houvesse a fazer. E insisto, a nossa máxima não pode ser o mínimo. Não podemos criar barreiras e limitar o nosso espaço quer transcendente quer imanente, porque este ritual afasta os homens da sua humanidade e impele-o para uma sub-humanidade eivada. Entenda-se que nós, inconscientemente, já admitimos a existência de um infra-homem, visto que, não queremos ser dominados por "iguais a nós". Pedimos sim, os supra-homens, os que são superiores a nós, e portanto, imunes aos nossos defeitos e vícios. Este pressuposto, enfim, contrariamente ao que possa parecer, não é uma perspectiva catastrófica do homem, mas sim, subjaz a ideia de que a ausência de acção impede a expressão das forças e virtudes do homem enquanto indivíduo e colectividade. 

Estirpe sonhadora e louca

Repito aqui a ideia, de que enquanto homens somos intelectualmente superiores comparativamente aos animais. E esta é a verdade irrevogável! No entanto, o homem tem vindo a provar a sua inferioridade moral face às restantes criaturas.
O desafio é fazer um uso governado da razão. E creio que toda a actividade contraproducente a esta premissa se prende com a luxúria de que possuímos, de facto, razão. Contudo, factualmente não a cumprimos. Isto é, o homem é um ser pensante, e prova disso, é a capacidade de distinguir o bem do mal. Porventura, tendemos cada vez mais, para o mal, para o fácil, para o cómodo e vil.
Reparemos que esta ideia é praticamente linear e proporcional a um enfraquecimento da nossa capacidade de sonhar. E ainda que, muitos o contradigam, o sonhar é o que permite ao homem ser homem. E como tal a aspirar ao domínio do incerto, onde a capacidade de superar condições nefastas, de desvendar o desconhecido e de soltar as amarras, se torna possível.
A incapacidade de nos tornarmos loucos, aproximou-nos, ironicamente ou não, dos animais, quais seres que se limitam a reagir.
Afinal o que nos torna humanos é a nossa estirpe sonhadora e louca, e não fazemos mais nada senão sonhar. Um sonho... consiste num olhar individualizado, atento na especificidade, mas que olha na globalidade.
A decadência do sonho prende-se com diferentes questões: uma delas, e com efeito, a que é reveladora e concretizadora do sonho, é o livro.
O livro é a expressão da realização da loucura do ser humano. Afinal é da busca pela sabedoria suprema que se alimenta o indivíduo, por primazia, personalizando-se.
A sabedoria permite ao homem tornar-se mais seguro, de ter confiança nas suas faculdades e na sua possibilidade realizadora, que só pode ser motivada pela loucura e pelo sonho. Ou então, o incerto nunca se tornaria certo, o indesvendável descortinado e a ignorância eliminada.
Eis o homem, indivíduo; o homem, nação; o homem, humanidade, que sonha! E que por crer, torna tudo possível.

Portugais em Portugal

Coexistem em Portugal três espécies de português. Cada um com o seu Portugal ansioso por se cumprir. Portanto, dentro do mesmo Portugal, se preferirem, existem três espécies de Portugal.
Um, é por primazia, o composto por portugueses típicos. Daqueles que definem uma nacionalidade. O retornado que voltou de África e que, de quando em vez, dá pontapés nos caixotes; O maluco do costume que mete uns copos ao bucho; A mulher do maluco do costume, que apanha estalos, sem motivo, ou antes, conforme o que o hálito do vinho lhe elucida; Na serra, o pastor com mais rugas no lado dos olhos do que no lado da boca; As crianças, essas continuam felizes. Mais do que a mãe que se persigna, estendida sobre a beira da cama: o marido nas obras, a filha e o genro desempregados, três netos e um subsídio de desemprego enterrado. Este português encontra-se, desde sempre, divorciado de todos os governos e abandonado por todos. Existe, porque existe, e é por isso que a nação existe também.
Outro é o Portugal que o não é. Que padece numa digressão longuíssima de imitação de mentalidades estrangeiras. Esta invasão agravou-se com a moda parisiense e berlinense e tornou-se completa com a célebre frase de Sócrates "só sei que nada sei". Este Portugal é formado pela grande parte das classes superiores: os príncipes do povo, os príncipes na vida. E são eles que governam o país. Este Portugal está completamente divorciado do país que governa. Com isto, é por sua vontade, justo e corajoso. E contra sua vontade, um grandessíssimo filho da p***.
Eis o terceiro Portugal, descendente de um sonho, herdeiro da loucura, vivo pela crença. Este Portugal fez as Descobertas e construiu o Mundo. E adormeceu em Alcácer Quibir. Porém, deixou alguns parentes, que têm estado sempre, e que continuam estando, à espera que acorde. A fé, cumpre aquilo que o crente espera encontrar nela. No entanto, não oferece o mínimo fundamento para uma verdade objectiva e concretizável. Aqui, o terceiro Portugal caminha em duas vertentes: os que querem alcançar a paz e a felicidade, crêem; os que querem ser testemunhos da verdade, buscam-na.

Nepotismo, benesses e tachos

Há por aqui muita gente que, um quanto ou quanto à boleia da crise, em vez de serem cidadãos, têm sido os principais aliados do medo. E é este medo, por consequência, o principal aliado do Governo. Conjuntura esta, que por definição e contexto, deveria naturalmente repartir as dificuldades; promover uma educação de alta exigência ética face aos sacrifícios que estão a ser exigidos à maioria da população; auto-propulsionar-se ao crescimento e à competitividade com, exactamente a mesma prodigiosa imaginação com que inventa impostos e os destrói, sem remorsos; acusar os corruptos, os hipócritas com o drama que a mesma situação exige. O progresso humano, incluindo o desenvolvimento económico, não se justifica apenas como um mero produto de melhores índices de acesso dos séniores ao ensino, maiores audiências de telenovelas ou, e ainda, no mesmo plano, de maiores índices de pensantes baratos que reflectem sobre o bem-estar económico de cada um, sobre o facto de o homem distinguir o bem do mal - e que doçura que é pensar! Reparem que isto é só parcialmente verdadeiro, o homem prova a sua inferioridade moral quando efectivamente pratica actos tão animalescos como as outras criaturas, que ao contrário de nós, não possuem superioridade intelectual. Portanto, esta ideia do "nem tudo é tão mau quanto parece" é ridícula e contraproducente. "A esperteza, a duplicidade, a ficção, os artifícios, a política e os actos mundanos são o nosso próprio inferno". Ataca os fracos, favorece os amigos e eis os representantes deste país a apelar à sensatez, com o bombardeamento de discursos mais depressivos de que há memória. Discurso este que não é normal nem natural, mas sim cínico e um ultraje à dignidade das pessoas, porque não é um discurso de verdade que se sublinha, mas sim um subtil ataque, que obedece a uma estratégia conveniente de nepotismo, benesses e tachos.
Entendo o egoísmo, porque da mesma forma que é humano amar o dinheiro, é naturalmente humano viver ao serviço dos nossos próprios interesses. E esta é a verdade absoluta e vigente. Entendo também a tristeza, o medo, e até mesmo o desejo de suicídio. Não só porque o sentimos, como também porque já nos habituámos a senti-lo, e pior, a querer efectivamente sentir os valores que inspiram este mesmo estado. Agora, não entendo a amargura, o azedume, a avidez. Nem a antipatia, nem a inveja, nem a vaidade. Se somos tão egoístas como sei que somos, expliquem-me esta necessidade de papas e de fraldas?! O meu espanto é diante destas criaturas amargas. São vidas pequeninas que eu não compreendo - a profunda solidão das pessoas.
Porquê não termos, já que somos egoístas, o nosso próprio tom, o nosso modo, uma forma que não devesse nada a ninguém, e em que as vozes alheias não entrassem na nossa?
As primeiras gotas, indiferentes, ingénuas, podem trazer uma tempestade enorme. O sorriso mais desenfreado e mais ridículo pode causar paixões avassaladoras. O dia mais normal e mais rotineiro de todos pode culminar com algo espectacularmente diferente. Mas, o mais importante, é conseguir unir várias pessoas por um só objectivo, por uma só justiça, por um só fio de esperança. Olhamos uma estrela cadente, mas nem sempre pensamos no que ela nos pode dar...