Portugais em Portugal

Coexistem em Portugal três espécies de português. Cada um com o seu Portugal ansioso por se cumprir. Portanto, dentro do mesmo Portugal, se preferirem, existem três espécies de Portugal.
Um, é por primazia, o composto por portugueses típicos. Daqueles que definem uma nacionalidade. O retornado que voltou de África e que, de quando em vez, dá pontapés nos caixotes; O maluco do costume que mete uns copos ao bucho; A mulher do maluco do costume, que apanha estalos, sem motivo, ou antes, conforme o que o hálito do vinho lhe elucida; Na serra, o pastor com mais rugas no lado dos olhos do que no lado da boca; As crianças, essas continuam felizes. Mais do que a mãe que se persigna, estendida sobre a beira da cama: o marido nas obras, a filha e o genro desempregados, três netos e um subsídio de desemprego enterrado. Este português encontra-se, desde sempre, divorciado de todos os governos e abandonado por todos. Existe, porque existe, e é por isso que a nação existe também.
Outro é o Portugal que o não é. Que padece numa digressão longuíssima de imitação de mentalidades estrangeiras. Esta invasão agravou-se com a moda parisiense e berlinense e tornou-se completa com a célebre frase de Sócrates "só sei que nada sei". Este Portugal é formado pela grande parte das classes superiores: os príncipes do povo, os príncipes na vida. E são eles que governam o país. Este Portugal está completamente divorciado do país que governa. Com isto, é por sua vontade, justo e corajoso. E contra sua vontade, um grandessíssimo filho da p***.
Eis o terceiro Portugal, descendente de um sonho, herdeiro da loucura, vivo pela crença. Este Portugal fez as Descobertas e construiu o Mundo. E adormeceu em Alcácer Quibir. Porém, deixou alguns parentes, que têm estado sempre, e que continuam estando, à espera que acorde. A fé, cumpre aquilo que o crente espera encontrar nela. No entanto, não oferece o mínimo fundamento para uma verdade objectiva e concretizável. Aqui, o terceiro Portugal caminha em duas vertentes: os que querem alcançar a paz e a felicidade, crêem; os que querem ser testemunhos da verdade, buscam-na.

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