Triste e fatal

Oscilamos entre o tudo e o nada. Confundimos mecanismos com causas, descrições com fenómenos, linguagem com pensamento, enfim somos peritos na aparência e incapazes de transparência. Entenda-se que incubámos uma espécie de manual de sobrevivência, nascemos, criamos uma biografia própria, com determinados factos distintos, algumas anedotas para demarcar uma personalidade bem-humorada, alguns rancores para não parecermos demasiados santinhos, algum despeito por aquilo que somos para manifestar a nossa faculdade prima da modéstia, pronto, que seja, algumas historinhas para alcançar a consumação plena, e morremos. Tudo acaba. Afinal depois de tantas tentativas para que os outros construam as impressões que pretendemos que concluam. Morremos. Ó que triste e fatal destino, inevitável, ilógico, estúpido, injusto. Afinal a maior conclusão é morrer. Não porque é um fim, pressuponho. Mas porque é o início da percepção de tudo o que dá sentido às nossas vidas. Com o seu quê de perversidade, mas perfeita na sua amálgama. Eis a questão: como seria se estivéssemos na iminência de morrer? Eu, sinceramente só queria garantir que a minha morte determinaria que tinha vivido segundo as minhas expectativas, os meus sonhos e a minha loucura. Que a minha mortalidade proclame as minhas obras. Porque o homem é pequeno, fraco e cambaleia rapidamente entre o certo e o errado. E deixemo-nos de tretas, a nossa vida é minúscula. Não há grandes homens, há actos que, às vezes, são grandes, como surtos de grandeza existencial, mas mal acabados os actos, voltamos à nossa dimensão. O propósito não é estagnarmos, é aperfeiçoarmo-nos, tornarmo-nos melhores e sermos mais felizes. Sem artifícios e aparências, sê um "eu melhorado", não um "eu postiço".

Anti-liberdade

Dificilmente compreenderão a dor que tenho ao ler comentários predominantemente anti-liberdade, mesmo que os criadores destes não tenho a absoluta ideia desta convenção. Refiro-me a vitupérios como: "De que serve a liberdade a um desempregado?" Visto à distância parece uma pergunta que revela preocupação, interesse pelas necessidades do outro e sugere uma certa vontade de as satisfazer. Até aqui tudo é admissível. Agora, visto meticulosamente, impõe-se como uma pergunta que não serve de mais nada, senão de prefácio a um compadecimento a esta menoridade política que não vale os proeminentes princípios. O que evidentemente, demonstra uma ridícula ignorância, ou numa perspectiva muito positivista, uma má-fé imensa. O povo esqueceu-se da versão portuguesa censurada, esqueceu-se de como foi viver desempregado e sem liberdade, esqueceu-se de como foi ver famílias a serem despejadas por fazerem uso do seu entendimento, esqueceu-se de como foi viver na mais pura miséria de se ser humano, não o sendo. Isto é, mortos pela censura. Repare-se que nada nos diminui tanto como a impossibilidade de expressarmos o nosso discernimento, e portanto, de  nos mutilarem a  faculdade que nos permite relacionarmo-nos com o mundo. Não se trata somente, de um processo mecânico e abstracto, mas também, e acima de tudo, um mecanismo de expressão pessoal e construtor de uma identidade.  Lembrem-se dos fuzilados, dos degolados, dos estraçalhados, dos mortos, mortos e mortos sem liberdade. Privados do uso da nossa inteligência vivemos tão mortos quanto estas vitímas. Manifestamente quem compara a situação actual à época do salazarismo sofre de dois grandes problemas facilmente diagnosticados por alguém que pense: ignorância e estupidez. Saibam, que provavelmente vivemos na mesma merda, mas saibam também que agora, temos paz, e a possibilidade de gritar que este governo é efectivamente, uma merda.

(Para que conste: inspirei-me num comentário do Henrique Monteiro que constou.)