A neve pôs uma toalha calada sobre tudo.
Não se sente senão o que se passa dentro de casa.
Embrulho-me num cobertor e não penso sequer em pensar.
Sinto um gozo de animal e vagamente penso,
E adormeço sem menos utilidade que todas as acções do mundo.
Alberto Caeiro, poemas inconjuntos

Já merecíamos um dia de folga, um dia de neve. Novembro é uma criança pequena. Novembro tem mãos de branca de neve. e sorriso de peter pan.
Não há nada como coisas simples, gestos genuínos, depois de uma dia desgastante. depois de um dia de trabalho, que vemos passar por entre o esforço do pestanejar. nada melhor do que ter um lar. um beijo na testa depois de chegar a casa, uma torrada de manteiga com um chá preto feitos a pensar em mim, ou mesmo um simples abraço de reconforto no sofá, quando algo correu mal. afinal, do que sobrevive o amor? senão destas pequeninas coisas.

E foi assim:
Um abraço de mel,



Um suspiro de fel.
às vezes tu dizias que acordar com os olhos cegos nas nuvens de uma montanha era como crescer sem dar por isso. desejo um retiro, um abrigo no meio do ar, onde ninguém me possa ver, muito menos visitar, ou partilhar uma palavra amiga, porque sabem que o dia está mais triste para mim. a parte importante do caminho (da montanha) é o acto de o percorrermos sozinhos. agora, preciso de seguir sozinha, sem uma mão a amparar-me o jogo, pelo menos desta vez. Necessito de uma montanha (russa) e um olho cego de aventura..
Hoje a maior parte do tempo não ouvia ninguém: lia revistas de modelos, tão diferentes das mulheres, magras, bonitas e quase sem roupa que namoravam jogadores de futebol ou actores de novela, de peito ao léu. Mas que graça?
Se não... É como amar uma mulher só linda.
E daí? Uma mulher tem que ter qualquer coisa além de beleza.
Qualquer coisa de triste,
qualquer coisa que chora,
qualquer coisa que sente saudade, um molejo de amor machucado.
Uma beleza que vem da tristeza de se saber mulher.
Há dias que não valem a pura pena e simplesmente porque ninguém nos disse que gostava de nós. Eu sei que isto não é tudo, mas em dias em que a sanidade mental é decadente, isto nota-se mais.
A crise económica que Portugal vive é complexa, e não é fácil definir com exactidão o momento em que terá principiado.
O problema, creio eu, é que o nosso país sempre foi uma nação cheia de buracos mal tapados e muito menos remendados, e o pior disto tudo é que ninguém sabe como o fazer, e nisto temos todos a mesma opinião que o ministro das finanças: "- Não faço a mínima ideia".
Apesar de tudo, infelizmente, o povo português é difícil de contentar, aliás até se contenta, mas é a criticar inconscientemente, sem propôr uma sugestão plausível.
Que fazer? Bem sabemos que somos um país aos buracos, e que a cada passo, estamos constantemente na cordabamba, e das difíceis. Parecemos trapezistas de circo na iminência de cair, em que intercaladamente se ouve "-Agora sem emprego", "-Agora com impostos de cima de mim" - não deixa de ser uma grande habilidade circense.
Para além disto, o zé povinho está bem aos buracos, não há personalidade, não há uma voz que se erga, apenas há comodismo, passividade e julgamentos irresponsáveis. Ou seja, parecemos um pouco os consumidores que se fascinam pelo fenómeno da pulseira do equilíbrio, em que, segundo cremos, não tardará a produzir melhoras de qualidade de vida. Bem, com isto, talvez seja boa ideia avisar o governo para criar uma pulseira do equílibrio para os trapezistas de circo, um anel da esperança, um colar da constância, uns brincos da estabilidade e ainda uma gargantilha da harmonia. Enfim, teríamos um país muito mais próspero...ou iludido.
Que Portugal é um país pleno de corrupção já todos sabemos, agora que Portugal é como ficção científica, ainda não sabia até que ouvi Paulo Portas a efabular: "Imaginem dois submarinos que não capturam ninguém, embora haja uma dezena de arguidos à beira de serem capturados por causa deles, e que até chegarem ao seu destino, participam em aventuras incríveis, entre as quais se conta uma luta sangrenta com uma factura gigante". E assim todos vivemos num enorme e caríssimo submarino, cheio de buracos, que nos levam, consequentemente a afundar.

Esmiuça, Rita, Esmiuça.


friends will be friends, when your're in need of love they give you care and attention. friends will be friends when you're through with life and all hope is lost.
é terça-feira, tenho os lábios a sangrar e não há ninguém que me deseje boa noite.
também nos magoam. mesmo nos piores dias.
também nos desiludem.
também fingem.
também conseguem ser maus e supérfulos.

às vezes não pensam nem sonham o que nos vai dentro da alma. porque se soubessem não imaginariam o quanto doi à noite não conseguir dormir, ou o que custa dobrar cada esquina com o coração nas mãos. nem sequer sabem o que é ter um dia mau, do princípio ao fim. jamais vão sentir o travo sabor das lembranças que morrem esquecidas
às vezes, somos os únicos com este peso na alma.
sou uma pessoa que nunca está satisfeita totalmente. há sempre um vazio a preencher. vivo constantemente numa corda bamba vertiginosa. coração nas mãos, alma desfeita. um dia haverá uma forma de nos esquecermos de tudo. de olharmos para sítios e não nos lembrarmos de pessoas importantes que por um motivo ou por outro já não existem nas nossas vidas. haverá forma de camuflar a tristeza. limpar as lágrimas apenas em momentos perfeitos.
 
Cheguei a casa de olhar vazio. Carregado. Já pensaram o que é ter o olhar vazio? Não é somente o olhar que está vazio, sem sentido, sem qualquer tipo de intensidade. É a alma também.
Cheguei a casa de olhar vazio e emanava o mesmo perfume de sempre, não me encontrava há muito tempo. Não pelo menos em frente ao espelho de olhar. Estava diferente - vazio. Queria perguntar-me se estava sol lá fora, ou se estava tudo bem desde a última vez, se ainda gostava de castanhas e jeropiga em Novembro, ou se mais uma vez o comboio se tinha atrasado. Mas a minha voz falhava, e qualquer banalidade que lhe pudesse propôr tinha-se tornado em algo demasiado precioso para ser proferido. Eu estava linda, um vestido muito curto, as mãos leves, o cabelo solto. o olhar vazio, sim. o olhar continuava vazio, e eu não conseguia enchê-lo, nem falar.

decorarei o meu leito de morte com todas as recordações possíveis. todos os sorrisos abafados, todos os beijos tímidos, todos os trilhos em que caminhámos, todos os finais de tarde entrelaçados, todas as promessas, todos os sonhos tornados em realidade, todas as pontas desatadas, todas as horas em que enchemos o coração de medo para sobreviver ao desconhecido. irei pintálo em azul turquesa, pois faz-me lembrar o céu, apesar de eu nunca lá ter estado, e vou envolve-lo num manto de prata que roubei ao luar na noite que passou. decorá-lo-ei, frente aos meus olhos de terra, para me poder felicitar e saber, para todo o sempre, que fui alguém que passei por aqui, deixei uma pegada, uma alma e..vivi.
É natural que quem quer "elevar-se" sempre mais, um dia, acabe por ter vertigens. O que são vertigens? Medo de cair? Mas então porque é que temos vertigens num miradoiro protegido com um parapeito? As vertigens não são o medo de cair. É a voz do vazio por debaixo de nós que nos enfeitiça e atrai, o desejo de cair do qual, logo a seguir, nos protegemos com pavor. (...)
Poderia dizer que ter vertigens é embriagarmo-nos com a nossa própria fraqueza. Temos consciência da nossa fraqueza, mas, em vez de resistir-lhe, queremos abandonar-nos a ela. Embriagamo-nos com a nossa própria fraqueza, queremos ficar ainda mais fracos, cair por terra em plena rua à frente de toda a gente, ficar por terra, ainda mais abaixo do que a terra.
Kundera, M. in A Insustentável Leveza do Ser

qual o (real) peso da vida? Será este decidido por nós? Será essa pesagem da nossa inteira responsabilidades ou outros factores são, para si, absolutamente determinantes? Qual a melhor opção: uma existência levemente suportável ou uma existência mais pesada? Uma existência com o facilitismo da leveza ou uma existência com um peso responsabilizador? Que existência? Qual a sua efectiva definição? Poderá haver uma definição?