a arte tem-se tornado a minha catarse natural.
os espelhos são utilizados para ver o rosto, a arte para ver a alma.
hoje a madrugada foi pessoa
Às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido.
não gosto do silêncio e das palavras que ficam presos no ténue limiar do pensamento, à beira do abismo da intenção. de todas as "inverdades" não exteriorizadas, escondidas sob o véu do eufemismo.
e sinto-me exausta diante de todo este jogo verborrágico, que fazem brotar frivolidades incontroláveis em desiquilíbrio. são seres embriagados pela ignorância, são heróis abafados pela multidão, são olhos pisados que no calor de tantas palavras se queimam, no ardor da repugnância, exacerbados de prazer e nojo. retraio-me e atraio-me. pelos discursos falaciosos e cheios de graça, pelos fins fora de horas, pelos histéricos suaves gritos de medo.
hoje estou distante e sem pressa, afirmo com segurança o quão bonita se faz a visão das coisas, no farfalhar da memória. com o desenlace de um sonho, as cores parecem dançar em sua amálgama mais vibrante; o tempo parece parar, numa aceção da eternidade. o vento bate e esfria mais do que o costume, é assaz, agradável a sensação. sem espaço para a melancolia, só me chegam as boas lembranças, as que me despertam o melhor dos sorrisos.
Não gosto de coisas tépidas. Não gosto de sabores agridoces. E não gosto de mais-ou-menos. Sou de extremos. As coisas são quentes ou frias, doces ou salgadas, ou são ou não são. Não há meio termo.
"Há qualquer coisa de longínquo em mim neste momento. Estou de facto à varanda da vida, mas não é bem desta vida (..) Sou todo eu uma vaga saudade, nem do passado, nem do futuro: sou uma saudade do presente, anónima, prolixa e incompreendida".
O livro do desassossego, Fernando Pessoa


O ser humano é muito acomodado, desculpem-me a presunção, sair de nós, sair da nossa esfera, para nos vermos segundo outra perspectiva é difícil, é um caminho íngreme, pedregoso. É a "monocularidade" humana, um estado sonolento, despertar d...ele, pode ser ou não violento, segundo, exactamente: "Isso dependerá do grau de prontidão de cada um para esse "embate" e para aquilo que dele decorrer. Essencialmente, presumo, será tarefa... interminável." -, mas depende, também, do grau de abstracção com que o fazemos, aquele click ideal, para podermos ver o que, realmente, é verdadeiro... o puro. Neste espelho da vida o reflexo do espelho é isso um reflexo, uma cópia. E eu? Eu mesmo! O ser! Sou o quê? "Não és"! Porque o que penso que sou, é o acordo entre a minha consciência e o meu pensamento, uma construção da minha consciência, uma construção,que pode ser ou não perfeita, mas aí o real é o real construído. Que coisa esta de SER.
nem sempre adquirimos uma melhor visão do mundo. é como aquela nebulosa de janeiro que se instala sobre o orvalho das ervas, impedindo-nos de ver de como a manhã nasceu lá fora. a chuva pode cair, a atmosfera estar cinza, as árvores despidas a balouçar, meticulosamente, de um lado para o outro - mas não em vão - o rio a correr gélido, o esfregar de mãos, desconhecidos a cruzarem-se na estrada, ou não, nunca iremos saber que isso de facto aconteceu no mundo. aliás, ninguém parece importar-se com isso ultimamente. é como se todos os poetas tivessem vindo a morrer no decorrer destes anos sem terem deixado qualquer ensinamento aos boçais. é triste, mas às vezes até eu sinto que preciso de limpar a nebulosa dos meus olhos com a mão, sair de mim e olhar um pouco para cada movimento que, usualmente, perdemos por estarmos fechados numa concha que não deveria ser nossa, por nos comprazermos a não ser, numa decrepitude que nos desgasta, que nos impesta.
Quando sinto um vazio oco, tento recordar-me da amizade, esse sentimento que nos prende ou nos repele para a eternidade. Quando sinto um vazio relembro-me de como fui feliz, deitada no chão a sorrir, a cantar para a madrugada. Lembro-me das pessoas - que mais foram as desinteressantes do que as interessantes - que passaram na minha vida e fizeram parte de mim apenas por curtos anos de existência, senão meses, que não duraram muito, que fugiram de mãos dadas com o tempo.
Apetece-me não estranhar esta minha imprudência ou demência na escolha de parceiros de festas e gritos de guerra, mas estranho, porque enquanto reflicto, embebida em passados pouco marcantes, acabo por me sentir traída pelo meu instinto. De facto, - penso - poucos foram aqueles que continuam ao meu lado e que não se foram com a maré. Não, eu nunca conheci alguém tão apaixonante assim para me prender estes olhos de terra em algum corpo de alma eterna, irmão ou personagem de todos os dias. Só me restam vocês: tu J. e a minha adorada J., e mais alguns, mas que temo perder, como apenas uma cicatriz que se cura. Vocês sim, já foram tatuados neste peito. Estendo-me, aqui, neste momento para o que já passou, para o que foi, para as risadas a meio da noite que demos, para os abraços apertados e para as conversas que se diluiram em nós por baixo de uma lua cheia que sempre que queremos e desejamos ter, por horas, fazemo-lo.
'Não sou boa a números. A frases-feitas. E a morais de história. Gosto do que me tira o fôlego. Venero o improvável. Almejo o quase impossível. Meu coração é livre, mesmo amando tanto. Tenho um ritmo que me complica. Uma vontade que não passa. Uma palavra que nunca dorme. Queres um bom desafio? Experimenta gostar de mim. Não sou fácil. Não colecciono inimigos. Quase nunca estou pr'a ninguém. Mudo de humor conforme a lua. Irrito-me facilmente. Desinteresso-me à toa. Tenho o desassossego dentro da bolsa. E um par de asas que nunca deixo. Às vezes, quando é tarde, eu viajo. E - sem saber - busco respostas que não encontro aqui.'
Fernanda Mello
podia ser eu