Em ti, no recôndito de ti, no íntimo inatingível da tua pessoa. No mais oculto e indesvendável de quem és. Tu, aí, derramado sobre ti, no cônclavo do teu ser recluso. Estendes-te, olhas-te sem ver, para a tua existência não dissipar. Cerras os olhos à dormência e é sobretudo quando te vês. Onde podes existir na liberdade de ser. Estás aqui, no silêncio da Terra, ouço-te a existir na dispersão de mim.
Não oiço ninguém, nem uma dessas vozes erra-dias que vêm na aragem - chamamentos, ralhos - tudo em silêncio sob a praga do calor. De súbito, desce sobre mim a mais intensa melancolia da desilusão, uma dor terrível, e a minha imagem fugitiva. E de novo, a minha súplica humilde - não caias! É mesmo incompreensível, e só, de certo, ao fim de muitos anos é que se irá entendendo. E à medida que se entende, permanece a mágoa que se aceita. A tristeza é apaziguada no cansaço e num certo retorno mental. Estou num esvaziamento total de qualquer interesse. Porquê? Para quê? Por nada! Para nada. Mas não perguntes. Felizmente para as pessoas sensíveis, dessas que sempre aplaudem espectáculos incómodos, sejam eles de que natureza forem, a língua,  só por si mesma, é razão suficiente. Não rezando, portanto, qualquer interrogatório ou torturas. E todavia, vejam vocês, estou a ponto de construir no meu nada de tudo, uma ideia de redenção com a memória do meu "eu", esse, que já nada é meu. A culpa pisa firme, parece ela que sabe aonde se dirige, como se seguisse o rasto do destino, aquele sempre confuso ir e vir de marcas e sinais, que é preciso observar com atenção para não estar a voltar para trás quem imagina avançar, sem desvios, directo, à morte.
doía-me a cabeça como nunca me doeu e ao mesmo tempo sentia-me ferida. a tentação de puxar as lágrimas como forma de aliviar aquela pressão que sentia no peito era mais do que muita, era simples, eu só queria chorar. estive durante aqueles segundos, de braços apoiados no parapeito, tão perdida como um corpo estranho fica quando se encontra, desapoiado, algures no universo. uma frustração e uma sensação de impotência percorria-me a espinha e a única coisa em que eu conseguia pensar - era que estava desesperadamente só, ninguém gosta de saber que está só, numa solidão quase irremediável. Eu quero estar sozinha, mas não quero estar sozinha. porque é que tudo em mim tem de ser complicado? São nestas fracções de momento que gostava de ser normal, como todos os anormais que se julgam felizes mas não o são.
daqui a precisamente 4 dias estaremos entregues à amarga rotina. não sei porque falo dos hábitos de uma forma extremista e pouco alegre, mas é assim que eu me entrego a ela (rotina) nos primeiros dias - de forma inacabada. canso-me facilmente das coisas que me rodeiam. sei que pode ser um pouco egoísta para quem me vê e tenta aceitar-me, mas a verdade é que me canso. canso-me da monotonia, dos dias iguais a tantos outros, da chuva, da conversa por obrigação e das vozes arrastadas de manhã. canso-me de pessoas sem objectivos, dos encontrões de ombro nas ruas, das filas de almoço, das estações de rádio, do jantar e dos debates políticos inconscientes. canso-me da guerra, da fome no mundo e das catástrofes naturais. canso-me da solidão, da paisagem que vejo todos os dias pela janela do autocarro, dos antipáticos e dos pouco cavalheiros. canso-me do mesmo cheiro a perfume, do meu perfume cravado na pele, das minhas manias e etiquetas. canso-me. canso-me. canso-me deste meu ser em rotina.
já sentis-te cócegas na alma, um desejo louco de ultrapassar limites, e de defini-los novamente. em parte porque és jovem, e porque todos nós queremos atingir a grandeza, viver nem que seja por um instante na certeza de que superei um medo. o medo. este é, de facto o nosso pior rumo - tarado e perverso. compadecemo-nos, perante ele, a ser, a sua carcaça, entregando-nos a priori, como vencidos. não compreendo a razão deste massivo temor. é o temer a existência do medo, que o fecunda. estou a caminho -  na minha vida, e encontro-me agora numa selva tenebrosa. porque sou falível, e errei. não vos saberei dizer como resistir. mas, suponho, que somente as lembranças das falhas é que façam ressurgir o medo. não tão amargo como a morte. porque ainda respiras. acalma-te, concede repouso ao teu corpo fatigado e retoma o caminho, mantendo, constante e plenamente o pé firmado, muda o teu desígnio. para te libertar desse temor, dir-te-ei, que se tens consciência que és, não te prives da tua própria vida. a tua alma não pode ser tomada pela cobardia, que muitas vezes, tanto nos oprime, e que tanto o homem transfigura e extravia como uma desculpa. porque te deténs? e porque não te armas de ardor e de coragem?
a palavra liberdade que se se profere complexa e pretensiosamente, pode ser obscena. pode ser nua, fria e não ter nada para nos oferecer. e assim o seu cheiro orgulhoso, que se faz deixar passar, atrai-nos de um modo que não sei replicar palavras. imponente, majestosa, na beirinha do horizonte, capaz de desafiar os séculos e os milénios. cumpre-se - não se cumpre. transfigurada em todas as línguas havidas e por haver, avança perante nós, consentindo que não terminássemos. A vida dos homens, é a vida dos seus desentendimentos com a liberdade: nem ela nos suporta, nem nós a conquistamos.
Não me quero deparar com incrédulos. Eu não quero controlar o desejo de mudar o mundo. Eu quero pessoas que se deixem consumir pela vontade, e que não temam, com os pés acentes no chão, escorregar e cair comigo. Pregamos avidamente o dogma imbatível da liberdade, a ausência de posse e de agrilhoamento em prol do querer que permeia o mundo dos libertinos. Porém no fundo, fugimos. Pensamos que jamais conseguiremos. E mal dizemos a vida. Mas reparem quão frívola ela é, quão imprevisível. Contudo, caminha, sente o teu corpo a tomar-se de certezas, o temor imponente no teu coração, deslumbra-te com o mundo. O teu espírito  habita as nuvens, tens em ti a força da vida, dos homens que respiram sem fim. A seu tempo quero estar quando conseguirmos, por sabermos que pensámos que era impossível.
Somos comuns, vulgares com um medo infindável de transparecer a essência da qual somos dotados.
Hoje dou por mim a pensar de onde radica este meu desejo de ser diferente, de pensar, de querer crescer. Nada disto foi premeditado, não escolhi pôr tudo em causa, ser insatisfeita e de viver em pleno conflito, constantemente. O natural é que todos sejamos de facto assim, eu apenas, não suprimi essa vontade. Sou pretensiosa, ambiciono a felicidade, quero fazer, quero ser, quero viver. Posso falhar. Mas pior que isso, é a purga de não o ter tentado. Quero ser melhor. E se é este o meu ímpeto, se é este meu estado interior de agonia, então eu irei, eu chegarei mais longe, porque quero saber quando estarei a um passo do coração da vida.