Arrasto-me num corpo e num tempo redentor. Tenho qualidades, algumas ainda por descobrir, outras achadas pelo meu destino. Não sou mestra nem pratico o bem todos os dias, sou uma pecadora vulnerável pronta a guiar-se pelo erro mais facilmente do que pelo concerto. Sou uma humana, que provavelmente não viverá o tempo suficiente para poder acreditar que existe um amor para sempre. Algo de verdade, límpido.Um mau traço do destino, uma fatalidade imprudente, deixa alguns de nós à deriva de uma vida.
Corro riscos, delicio-me com o perigo e finjo. Não, eu nunca sou eu à frente de ti, à frente dos outros. Teimosa tento contrariar o certeiro em mim, vagueando lentamente, esmagando fruta caída no chão como quem esmaga sentimentos. Instigo os meus olhos a chorar no meio da rua, é o que me apetece fazer, jorrando para um rio as minhas ansiedades. Inspiro e expiro, fumego enquanto penso em mudanças. É mau e viciante? Nem quero saber.
há dias muito bons e há dias muito maus. nos dias maus acho que não vou ter nunca mais dias bons. nos dias bons, sei bem que amanhã pode ser um dia mau.
A calma que tinhas, deste-ma, e foi-me inquietação.
Libertaste-me, mas o destino humano é ser escravo.
Acordaste-me, mas o sentido de ser humano é dormir.
Álvaro de Campos
Para morrer, -
Qualquer lugar,
Qualquer corpo,
E qualquer bôca me serve.
nem vou querer olhar se algo correr mal. sabes quando tentas, esforças-te e esfolas-te, se necessário, e o resultado é sempre o mesmo? há coisas assim, como que uma força ou intervenção divina que nos impede de sermos felizes à nossa maneira. quando isso me acontece perco as estribeiras e grito, sozinha, com as mãos nos ouvidos para não ter a percepção do barulho que faço. fico assim o tempo suficiente para me aperceber que já estou mais calma. parece patético, e se calhar até é, mas dá resultado. por outro lado, quando tal não me dá jeito, contorço-me toda, conto a até dez ou canto, com a voz péssima que tenho, uma canção que me passe pela cabeça. hoje podia ser um dia feliz, mas não é. como tantos outros que já passaram sobre mim, que já passaram por cima de mim.
"Mas nessa altura dançavam pelas ruas fora, quais fantoches febris, e eu trotava atrás deles, como toda a vida fiz no encalço das pessoas que me interessam, porque as únicas pessoas autênticas para mim, são as loucas, as que estão loucas por viver, loucas por falar, loucas por serem salvas, desejosas de tudo ao mesmo tempo, as que não bocejam nem dizem nenhum lugar comum, mas ardem, ardem como fabulosas grinaldas amarelas de fogo-de-artificio a explodir, semelhantes a aranhas, através das estrelas e, no meio, vê-se o clarão azul a estourar e toda a gente exclama «Aaaah!»"
Jack Kerouac
há pessoas assim, que quando nos deixam, deixam-nos suspensos num sentimento maior que nós.
deixam-nos um sabor doce na boca. e na alma. mas também uma sede.
de beber mais. de sentir mais.
e uma esperança vã, que o amanhã seja já hoje.
que o próximo encontro seja já agora. sem intervalos.
e vemo-las partir, e ficamos com aquele brilho nos olhos.
aquele que é ao mesmo tempo o brilho da alegria e da saudade.
alegria do momento que acabou de ser. de o viver.
saudade do futuro que já ai vem. saudade do próximo sorriso. do próximo suspiro...
digo-te adeus, e que um dia havemos de vencer o destino.
Quero brilho dos olhos, e viragens repentinas do irredutível, viagens ao outro lado do mundo por apenas um fim de semana, amor de rebentar botões de camisas, cafés olhos nos olhos e gargalhadas cúmplices. Quero sorte das estrelas, passos firmes, e o teu cheiro para sempre no meu cabelo.
 
Percorremos trilhos, subimos montanhas e caímos em vales. Desejamos e pedimos, por vezes, coisas com tal intensidade numa fracção de momento que chega a doer. Tentamos e voltamos a tentar. Nada. Com os dias a passarem ousadamente em frente a nós e as noites a chegarem sorrateiramente aos nossos olhos, interiormente, desistimos de tentar, pensando que não somos suficientemente bons para que as coisas boas venham ter connosco, sentimos que não fomos talhados para a felicidade. Mas um dia, quando tudo muda e estamos a dois, três passos de sermos felizes o medo vem em conjunto com a expectativa, consumindo-nos. Na verdade, lá bem no fundo nós temos receio de mudanças, mesmo aquelas que nos consomem há uma infinidade, impacientes, esperamos que nos suceda. Eu tenho medo de mudanças inesperadas, pequenos sismos sentimentais que possam vir a abalar a minha estrutura, não um medo de morte, de cortar veias de respiração, apenas medo de menina que não sabe ao que vai, pavor do contentamento escondido atrás de uma encruzilhada. Sim, estou a dois, três passos de ser feliz.
Sejam felizes