fingir que está tudo bem: o corpo rasgado e vestido com roupa passada a ferro, rastos de chamas dentro do corpo, gritos desesperados sob as conversas.
fingir que está tudo bem: olhas-me e só tu sabes: na rua onde os nossos olhares se encontram é noite: as pessoas não imaginam: são tão ridículas as pessoas, tão desprezíveis: as pessoas falam e não imaginam: nós olhamo-nos.
fingir que está tudo bem: o sangue a ferver sob a pele igual aos dias antes de tudo, tempestades demedo nos lábios a sorrir: será que vou morrer?, pergunto dentro de mim: será que vou morrer? Olhas-me e só tu sabes: ferros em brasa, fogo, silêncio e chuva que não se pode dizer: amor e morte.
fingir que está tudo bem: ter de sorrir: um oceano que nos queima, um incêndio que nos afoga.
Peixoto
sempre me disseram qual seria o caminho certo, mesmo assim sempre preferi os atalhos que para além dos trabalhos que trouxessem entretanto, fossem mais longos. tive a melhor infância do mundo, a melhor familia, os melhores amigos, os melhores azares e as melhores sortes, e tudo na altura certa.
rodeio-me agora das pessoas com quem, sinceramente, espero passar o resto da minha vida. reparei ontem nisto tudo, estava a fazer sol e estive a passear pela aldeia, em silêncio, e reconheci que o deus que eu conheci em tempos afinal nunca foi mentira, que afinal a única coisa que importa são exactamente as pessoas que vamos conhecendo pelo caminho e os atalhos cheios de trabalhos que elas nos dão a conhecer.
tudo isto para dizer que espero, e mesmo, que todas as pessoas que me ensinaram todos os mais longos e bonitos atalhos e que me fizeram chegar aqui, se sintam pelo menos uma vez na vida, tão felizes como eu.
o mais sincero tudo de bom,
para sempre,
amigos
Acordo e ando por aí, com os olhos sofregantes de sono e com medo do escuro. Desgrenhada com tudo à espera de mim, tanta coisa por fazer, penso. Livros espalhados no chão da noite anterior em que fui incapaz de arrumá-los, cama por fazer, chávenas de café ao lado do portátil. Desgrenhada passo a mão pela cabeça e penso:"como foste capaz de chegar a este ponto", existem milhentas maneiras de contornar situações mas neste momento estou tão a leste do meu mundo real que não consigo pensar em mais nada a não ser em prazos e metas a atingir, bem como coisas boas que faço figas que me aconteçam na sexta-feira, a espontaneidade seria um bom aliado.
Fico excitante e expectante, tantos "antes" que me sobressaltam a paciência, que já é pouca neste momento! Mas pronto eu prometo, inspiro fundo e expiro lentamente, a partir de agora serei mais calma e positiva comigo. Falta muito, mas não haverá problema algum, tu consegues, conseguirás o que pretendes de ti.


ninguém consegue perceber-me, mas isso não me importa assim tanto. eu só queria ter um pouco mais de fé em mim. poder acreditar no amor a todo o instante e nunca parar de procurá-lo em cada esquina de uma rua. é que dou por mim, de vez em quando, a sentir um vazio desolador em tudo o que faço, sem que nada me consiga animar. às vezes penso que a razão desta massiva infelicidade reside no simples facto de pensarmos demais. pensamos demasiado nas horas, nos espaços em vazio, nos fracassos e insucessos e no amor que não possuimos. pensamos e deixamos o tempo passar. do que nos servirá depois essa horas que desperdiçámos?
Meio vazio ou meio cheio? Como se encontra a antagonia dos teus pensamentos diários?...O mundo em que vives é suficiente para ti ou falta-te encontrar alguma coisa numa esquina de vida? Responde em voz baixa e pensa.
Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.
Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada
Miguel Torga





agora exige-se silêncio. pouso o lápis e baixo as luzes. deixo-me nua e rascunho as linhas do meu corpo no papel pardo. há uma resma de folhas já pronta, outra resma com pormenores em falta, e outra - por fim - com desejos irrealizáveis em branco. acho sempre que posso ser melhor, mesmo quando faço tanto. agora o lábio inferior lateja por causa do frio que ousou piorar nestas datas. o comboio começa a deslocar-se - oiço-o. quero tanta coisa e ao mesmo tempo só quero estar aqui, com a roupa de ontem. O que fazer?...talvez esperar por um novo nascer de sol, quem sabe tudo fique mais claro e mais perfeito aos meus olhos.
fecho os olhos, não sou infeliz, e imagino o tempo a voar tal como o vento o faz, sem enganos, e toco de perto os meus largos dias como quem, quase, toca numa chama pela curiosidade da dor, mas também pela sede do que ainda não sentiu nesta vida. hoje foi um dia destes.
sentes-te apaixonada. tudo te parece credível e o medo de enfrentar o mundo invade o teu peito. um conselho, esse medo não é dono da tua vida, acredita que é possível, porquê?, porque só de sabermos para o que jogamos vale a pena tentar. o teu coração não pára de bater fortemente. um dia está "ele" à tua janela, fazendo-te uma serenata, noutro estás a tentar convencer-te a ti própria que não precisas de homens para sobreviver ou encontrar a felicidade nessa mesma janela do destino, onde ele cantou para ti na noite anterior. e depois é o modo como olhas para ele, como enches os lábios de fervura, e a segurança que o teu peito emana só de imaginares que o podes tocar! tudo isto tem que te fazer acreditar que aquilo pode ser verdadeiro. o amor é preciso... as luzes, as diferenças nas semelhanças, o mel misturado com o amargo e as indecisões deitadas para detrás das costas. tudo é preciso. tudo fica mais bonito quando se tem alguém onde cravar a mão e um olhar para ser lido. vai pelo menos tentar desta vez.

se pudesse diria tantas coisas, daquelas para as quais não existem palavras certas. diria que não trocaria esta vida por nada. diria que ter alma em excesso é uma opção pelo amor. diria que a luz do dia é aurora de paz. diria que as pessoas são como as estrelas, com um brilho próprio e de beleza ímpar. diria coisas do coração. diria coisas bonitas. diria muito, muito. mas hoje só me apetece sonhar. sinto-me solta. solta do mundo. solta de mim. numa indiferença graciosa. sinto-me nova. quanto ao sentido, ao sentimento, ao que se sente. sinto-me assim. solta. um desapego à gente, um verso perdido, uma tarde vazia. com vontade. vontade de amar, vontade de ser amada. vontade de me sentir ridícula.