A poesia vai acabar - Manuel António Pina (1943-2012)

A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?» E a pergunta 
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
— Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? —


Do Livro - "Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde" (1974)
Vivemos num mundo de pouca luz, com pouca lucidez, com um tremendo enfraquecimento da noção de futuro e com uma lógica que parece banir a esperança para o domínio da piada. Reparemos no contexto em que Portugal se encontra. Perante tempos difíceis surge-nos o ministro das finanças a exaltar o esplêndido povo português, culmina ainda, a sua distinção dizendo que: somos o melhor povo do mundo. Ora se somos o melhor povo do mundo, somo-lo do ponto de vista económico e no domínio humano. Faz, portanto todo o sentido, um sistema de motivação de emigração, para que o que é nacional (que é bom, aliás o melhor!), seja transaccionável. Não admira que desta forma, Portugal não tenha qualquer futuro. Portugal são os portugueses! Como se pode ser incoerente a este ponto? Como se pode usar esta demagogia ultrajante com os portugueses? Quando constato a realidade em que vivemos, é perceptível o elevado expoente de homens consumidos pelo egocentrismo e pela política de despreocupação. Agora, quando vejo os que "nos governam", alegarem poesias patrióticas e, simultaneamente, apelarem à "nossa" exportação, o que sinto é um tremendo medo do futuro. Um tremendo medo do que o nosso país se pode tornar. É triste enquanto homens, sentirmos que não podemos crescer no nosso lar. Sentir que todo o nosso desenvolvimento humano e social terá que ser noutra pátria. E não posso imaginar maior tristeza, que a privação de nos fazermos homens portugueses em Portugal. Porque não passa só por deixar o país, acarreta um todo retrocesso civilizacional e familiar. Longe da família. Longe de podermos partilhar a nossa vida com os nossos. Que retrato será o de Portugal? O de um país entregue a um governo que num horizonte longínquo sabe que somos o melhor povo do mundo, mas que permite que a identidade deste se dilua? Escrevo com inteira franqueza e desprazer com o actual governo, para mostrar que estou indignada, e que não quero ser o melhor povo, quero ser o melhor país, porque ele existirá! O carácter medíocre do actual governo é repudiante, e a cada dia que passa, cada vez mais se desresponsabilizam da sua tarefa de salvar a Nação. Não atentam às dificuldades do seu povo. Não surgem como um quadro de referência na aplicação da justiça. Não reconhecem os direitos e a dignidade intrínseca de cada português. Gostava seriamente de ver, um governo com escrúpulos, capaz de demonstrar trabalho e obras, capaz de se desgastar sem poupar energias, tempo e meios para recompor o País. Capaz de dizer não a tudo o que possa conduzir a uma família a não ter pão. Capaz de dizer não a tudo o que possa conduzir Portugal, a um país sem futuro.