"Segunda ingenuidade"

Quantas vezes já não ouvimos a frase cliché "a vida é simples, nós é que a complicamos". Bem não é cliché nenhum, cliché é tendermos todos para este emaranhado de complicações, de intelectualizações, de artifícios e máscaras. Ser simples. É esta a nossa grande dificuldade. Possuímos todos, eu inclusive - e provavelmente com um maior expoente que a maioria - uma enorme incapacidade de nos revelarmos "nús". Muitas vezes por termos consciência das nossas lacunas e de possuirmos um tremendo medo de nos apresentarmos fracos e humanos. Ora, este medo é o mesmo medo que impede os outros de nos conhecerem tal como somos ou pior que nos conduz a um ser que toma proporções caóticas. Ser simples não é somente a negação de ser complicado. Ser simples é ser humilde, verdadeiro e sensível. Humilde, para nos aceitarmos como somos, sem pretendermos ter sempre razão e sem erguermos barreiras ao que somos. Verdadeiro na única verdade que interessa: o amor. E sensível, como condição para estarmos atentos ao outro, para ouvirmos, mais do que falamos. Para que assim, estejamos para os outros e pelos outros, sem fugirmos do essencial. Com a idade, vamos perdendo esta capacidade, a capacidade de mostrarmos uma ingenuidade própria de criança. Julgamos que para sermos fortes temos que construir um enorme muro, para nos tornarmos inabaláveis, imperturbáveis e inalcansáveis. Tudo isto torna-se tão perverso e enganador. E não julgamos nunca que este muro nos impede de amar e ser amados. Aparentemente crescidos e fortes, e essencialmente pequenos e fracos. Só se aprende a viver se nos deixarmos entregar, se confiarmos o que somos aos outros. Porque só assim podemos crescer. Sabendo que existe a possibilidade de fazermos mais e melhor. E acima de tudo, de sermos quem somos. Trata-se de aprender a revelarmo-nos. O primeiro passo é não nos sentirmos seguros no nosso estatuto de "inquebrável", e apelarmos à criança que existe dentro de cada um de nós. Não como um retrocesso, mas sim como um estímulo a avançarmos sem complicações exageradas, e em busca do essencial.

Sem comentários:

Enviar um comentário