Ainda não aprenderam a ler-me: tentam abrir a porta com a chave que trazem no bolso, pequenina, estreita. E surpreende-me que não vejam que basta empurrar a maçaneta com um dedo. Não tenho tempo, nem paciência. Não faço a menor ideia de quase nada, sou burra. Não estou a brincar, é a sério. Nem sequer aprendi a tomar conta de mim. O que será morrer, morrer mesmo? Tão esquisito tudo, tão estranho. E mais perguntas, mais perguntas sempre. O que seria de mim se não vivesse, povoada pelos meus lobos negros? Agora, e até que não morra, não cessam de rondar-me: sinto-lhes a respiração, o cheiro, a baba. Sinto-os roçarem-me. Vejo-lhes as órbitas amarelas, os dentes. Os corpos grandes, grossos. Trotam-me em torno, avançam, recuam, não me mordem ainda. Estiveram nos meus sonhos, estão aqui agora. Tesos, à espera. Sei perfeitamente o que querem. Querem justiça. E tudo o que escrevo é uma tentativa de perdão. Mas não, não me perdoo, enquanto na minha memória  ecoarem  os lobos. E os vivo, neste puro amor de que sou feita. 
A mim tudo me parece esquisito. Caras conhecidas, caras desconhecidas. Até que ponto conheço as caras conhecidas? (Desconversei um bocado com as mãos a falarem sozinhas porque eu sou em silêncio). Qualquer dia imobilizo-me a meio de um passo, a meio de um gesto, numa rua qualquer ou numa passadeira de peões, com os automóveis a buzinarem.

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